Especialistas abordam as lições aprendidas com a Covid-19 em Webinar APM

A pandemia trouxe uma nova perspectiva em relação ao manejo de pacientes no sistema de Saúde

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A pandemia trouxe uma nova perspectiva em relação ao manejo de pacientes no sistema de Saúde. Para abordar as lições e necessidades aprendidas durante mais de um ano de crise sanitária mundial, no dia 14 de março, a Associação Paulista de Medicina contou com a participação de especialistas renomados, em reunião virtual transmitida via YouTube.

O evento foi apresentado pelo presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, e moderado por seus diretores Paulo Pêgo (Científico) e Álvaro Nagib Atallah (Economia Médica e Saúde Baseada em Evidências). A infectologista Tânia Mara Varejão Strabelli traçou um breve panorama de perdas de vidas, danos econômicos, psicológicos e sociológicos trazidos com a pandemia. Já o pneumologista e coordenador de TeleUTI do Incor HC/FMUSP, Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho, falou sobre as estratégias de atendimento de pacientes criada pelo Comitê de Crise do Hospital das Clínicas e pela Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo.

“São casos de insuficiência respiratória grave, de disfunções de múltiplos órgãos e de mortes frequentes que nenhum de nós estamos habituados a conviver, principalmente, para nós, infectologistas, que já lidamos com doenças graves, mas menos mortais do que estamos presenciando hoje”, introduziu a palestrante.

Segundo ela, as sequelas em longo prazo, mesmo em casos leves, e a alta transmissibilidade do SARS CoV-2, portadores assintomáticos e as novas variantes são outros pontos importantes a serem observados. “Nesse sentido, a Covid-19 passou a ser uma doença que relaciona múltiplas especialidades, com a atuação do infectologista e do pneumologista, mas também do ortopedista, neurologista, oftalmologista etc. Precisamos destacar a importância de se ter uma interdisciplinaridade no cuidado desses pacientes, e o vírus nos ensinou ainda mais a trabalharmos juntos”, acrescenta.

Em seguida, a especialista – também diretora da Unidade de Controle de Infecção Hospitalar do InCor HC/FMUSP – elencou a aula sob os aspectos das características do vírus e das novas variantes, modo de transmissão, diagnóstico laboratorial e desafios da vacinação. “Lembrando que tudo em Covid-19 dura o dia que você está falando, porque no dia seguinte pode aparecer um fato novo”, informa.

Mutações

O vírus está em constante mutação e as novas variantes são esperadas ao longo do tempo, explica ela. Algumas emergem e desaparecem e outras emergem e persistem. “O que não sabemos é qual a extensão de disseminação das variantes, como a doença causada pela nova variante se difere das outras e como essas variantes podem afetar terapias, vacinas e testes existentes.”

Até o momento, as mutações genéticas estudadas e definidas são a linhagem B1.1.7, descrita no Reino Unido no fim de 2020, com a transmissibilidade de 25% a 40%, maior que a cepa selvagem, porém, com maior gravidade não comprovada; a linhagem B1.351, identificada na África do Sul e Estados Unidos, que parece reduzir a atividade neutralizante dos ACS (papel indefinido); e a linhagem P.1, identificada no Amazonas, com várias mutações, incluindo 3 na proteína S, e descrita em 12 estados brasileiros.

“Estudos apontam variante em praticamente todos os lugares do mundo. É uma característica comum de vírus respiratórios. Pode levar a maior dificuldade em relação à vacinação no futuro, mas até agora temos uma boa atividade das vacinas disponíveis contra essas variantes. Tivemos conhecimento esta semana de que as vacinas CoronaVac e da Pfizer são muito provavelmente eficazes na ação contra essas cepas”, ressalta a infectologista.

Ciclo da doença e tratamentos

Tânia Strabelli explica que o vírus tem um período de encubação que varia de 2 a 14 dias, mas na prática menor que sete dias. Na primeira semana, tem-se a eliminação do vírus, na segunda, o processo inflamatório. Nos pacientes em que há uma evolução de maneira mais grave, na terceira semana, aparecem as infecções bacterianas secundárias e, tardiamente na quarta semana, pode aparecer a fase da hiperinflamação, indicando-se inclusive a necessidade de impulsoterapia.

Em termos de recomendações de tratamento, o Remdesivir é o antiviral aprovado pelo FDA e Anvisa para pacientes internados com a doença grave e o plasma convalescente é usado em casos leves ou moderados com alto risco de progressão para forma grave.

Sobre os tipos de vacina em estudos, tem-se as de vírus inativado ou enfraquecido, de vetor viral replicados e não replicados, ácidos nucléicos (DNA e RNA) e as baseadas em proteínas, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.

A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) lançou uma nota técnica, em 26 de março deste ano, sobre a complexidade que envolve a proteção contra a doença, recomendando a não avaliação da imunização desenvolvida, após a vacinação, por testes laboratoriais.

“Após serem vacinados, muitos querem fazer o teste sorológico para saber se estão ou não protegidos. Infelizmente, ainda não temos essa definição porque temos outras facetas imunológicas. O uso frequente da sorologia traz algum grau de insegurança em relação à vacina. A exemplo da Influenza, nunca ninguém testou a eficácia após a vacinação, mesmo assim sabemos que, com o tempo, o mundo mostrou que funciona muito bem”, reitera.

Monitoramento virtual e capacitação a distância

Em sua palestra, Carlos Roberto Carvalho trouxe o exemplo das primeiras linhas de cuidados aos indivíduos, através de um sistema de monitoramento via aplicativo de celular. Na fase 2, sugeria a presença do indivíduo a uma unidade básica e admissão hospitalar. “Em casos menos grave, seria acompanhado por uma enfermaria; nos mais grave, iria para a UTI. Ou seja, desenvolvemos um protocolo que cuidasse de diretrizes tanto para o tratamento em enfermaria como em UTI. Agora, temos em curso o seguimento em ambulatório para esses pacientes.”

Para o plano de contingência, o governo estadual também desenvolveu um programa de capacitação virtual a médicos e profissionais de Saúde, validado para SDRA, com a integração de 94 instituições. Até o momento, já conta com recomendação de 98% das equipes. “Desenvolvemos ainda aplicativos com dicas e pequenos tutoriais de uso de oxigênio, ventilação mecânica invasiva, procedimentos de intubações e dosagens de medicamentos, ventilações protetoras, entre outros tópicos”, acrescenta Carvalho.

No dia 30 de março, foi iniciada a plataforma de teleconsultoria em UTI respiratória, com mais de 24 hospitais participantes e mais de 1.100 pacientes atendidos, com o mesmo protocolo para insuficiência respiratória aguda e visita horizontal diária. “Tivemos publicações dos resultados inclusive em revistas internacionais, com a progressiva diminuição da letalidade”, informa o especialista.

Ele ainda explicou sobre os protocolos de atendimento após internação e alta hospitalar. “Trata-se de uma série de questionários de qualidade de vida, como aspectos de ansiedade e depressão, fragilidade e insônia. Dependendo dos resultados, encaminhamos esses pacientes a grupos de reabilitação física, psiquiatria, doenças cardíacas ou pulmonar. A expectativa é que teremos de 20% a 25% de pacientes com sequelas.”

Até o momento, mais de 1.200 pessoas responderam ao questionário, conforme informou.

Reflexões

“Ficou claro o quanto já aprendemos e o quanto devemos aprender ainda sobre a Covid-19, sobretudo, sobre os problemas que certamente serão frequentes posteriormente”, reiterou o presidente da APM após as exposições. Ele relembra que, no início da pandemia, a preocupação frequente das autoridades públicas e especialistas era sobre a sobrecarga aguda do sistema de Saúde, inclusive com recomendações para os casos não graves permanecerem em suas casas.

“Depois dessa fase inicial, percebemos que a pandemia veio para ficar entre nós por bastante tempo. Enfrentamos a primeira onda e agora, com imenso sacrifício, nesta segunda onda já notamos que a sobrecarga não será restrita apenas à fase aguda, mas muito provavelmente se estenderá por uma década.”

Segundo Amaral, outras doenças reprimidas, em razão das atenções voltadas para a contenção da Covid-19, também serão agravadas e sobrecarregadas. “Outra questão é a educação médica. Estudantes e especialistas se queixam da educação focada em Covid-19. Vejo um lado extremamente positivo, porque mostra que é uma doença sistêmica que afeta todos os órgãos. Na prática médica, estimula o raciocínio clínico aplicado em qualquer campo”, acrescenta.

Na mesma linha, Pêgo resume dizendo que é um tema muito atual. “Por ser uma doença nova, fomos aprendendo muito ao longo do último ano e agora em 2021. O intuito desse webinar foi justamente trazer esses dois enormes especialistas que estão na linha de frente para dizer o que aprendemos, o que fizemos no início em termos de conduta e o que isso influenciou na nossa prática, tanto do ponto de vista dos pacientes complexos, que têm causado tanto problemas, quanto de mortes e morbidades ao redor do mundo, principalmente aqui, em nosso País.”

“Aprendemos bastante e os especialistas devem ter aprendido mais ainda”, conclui Atallah.

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