O Painel 13 – “O poder da transformação digital em modelos de remuneração baseados em valor” abriu o último dia de Global Summit Telemedicine & Digital Health, que nesta edição aconteceu 100% de forma virtual. A moderação da mesa ficou por conta de Fabricio Campolina, diretor sênior de Transformação da Saúde na Johnson & Johnson Medical Latam.
O primeiro palestrante foi Sidney Klajner, presidente do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), que destacou a inovação aplicada a modelos de remuneração baseados em valor. Ele ressaltou que encarar os serviços de Saúde como Medicina baseada em valor talvez seja a principal oportunidade que temos para estimular o custo adequado e a entrega da saúde, ampliando acesso à população, que aumenta demograficamente e em longevidade.
“Precisamos também de sensibilização de governantes para que tenhamos uma voz única na orientação da Saúde. Além de aquisição tecnológica de maneira responsável, gestão de recursos, remuneração adequada e lideranças capazes de ocupar os espaços de transformação no sistema”, listou Klajner.
Em sua avaliação, na ausência desta visão apresentada, o sistema de Saúde torna-se apenas business, como ocorre nos Estados Unidos, que mesmo com quase 20% de seu Produto Interno Bruto (PIB) aplicado no setor, não entrega a melhor qualidade de vida aos cidadãos quando comparado a outros países, sobretudo do norte da Europa.
Ele também falou sobre o fee for service, modelo de pagamento – que vigora há quase um século – em que quanto mais serviço há, mais remuneração. “Esse é um incentivo perverso. Até na utilização de métodos diagnósticos, de procedimentos que remuneram melhor, criando oportunidades de desperdício.”
O palestrante chamou a atenção que, hoje, outros sistemas tentam substituir o fee for service, mas sem que haja uma visão real sobre o valor, focando muito mais na previsibilidade de custos. “Falamos de pacotes cirúrgicos, diárias globais, taxas, orçamentos globais, capitation, bundles. Almejam diminuição de custos sem olhar o valor. E o que é o valor? É o desfecho do tratamento”, analisou.
Klajner também falou sobre uma iniciativa do HIAE, que criou um grupo de segunda opinião em cirurgia de coluna visando o desfecho. Na iniciativa, as operadoras enviam os pacientes para uma nova análise de equipe multidisciplinar que avalia, com critérios científicos, se há realmente necessidade de cirurgia, na busca de tentar mitigar o incentivo criado na remuneração baseada em serviços.
“Vimos que 62% dos pacientes não preenchiam os requisitos para realmente passar por cirurgia. E isso não é deixar paciente sem o correto tratamento. Inclusive, vimos que o índice
de satisfação dos pacientes, tanto de quem teve a cirurgia confirmada como de quem teve contraindicação, ficou em mais de 90%”, disse.
Por fim, o presidente do HIAE ressaltou a necessidade de que os players da Saúde busquem uma transformação cultural em busca de novas tecnologias que possibilitem esse tipo de informação adequada para análise. “Isso precisa de prontuários eletrônicos sofisticados, que geram dados. E você os traduz para a prática assistencial, para que novos modelos de remuneração sejam criados a partir da efetividade clínica.”
Ambiente de inovação
Na sequência, assumiu a palavra Gustavo Araújo, fundador do Distrito, o maior hub independente de inovação e startups do Brasil, localizado dentro do complexo do Hospital das Clínicas da FMUSP. Segundo sua introdução, há uma crescente demanda por novas tecnologias na Saúde, com investidores que há alguns anos buscavam as fintechs rumando em direção das healthtechs.
“O trabalho feito no hub está muito conectado com o value based care, com geração de valor para o paciente. Quando começamos, foi definido que o trabalho que precisamos fazer aqui tinha de gerar acesso, para levar saúde através de tecnologia para locais e cidades, onde não chega. E como a gente pode fazer o custo desse acesso ser reduzido”, afirmou.
Araújo mostrou que o Distrito pesquisa, ainda, há mais de três anos, todas as healthtechs do Brasil e as principais do mundo. A empresa tem uma área de pesquisa que mapeia essas atividades, em busca de entender quais são as principais tendências e os empreendedores e investimentos mais interessantes. Essa área gerou uma base de dados com milhões de datapoint em mais de 60 variáveis.
O palestrante refletiu, ainda, sobre o ambiente de investimento em Saúde no Brasil. “São cerca de 12,5 mil startups vivas no País. A concentração, naturalmente, é em São Paulo, mas há startups até no Acre. O que mostra que precisamos conectar o sistema, pois há tecnologia e healthtechs no Brasil inteiro. Como a tecnologia descentralizou do Vale do Silício para o mundo, aqui descentralizou de São Paulo.”
A apresentação também destacou as principais áreas de investimentos tecnológicos no País. As duas maiores áreas são as fintechs (financeiras) e adtechs (publicidade e marketing), com pouco mais de 10% de fatia do mercado cada uma. As healthtechs (Saúde) vêm logo depois, representando 8,7% do mercado.
“Esse é um avanço. Em 2020, temos 542 healthtechs atuantes e que são monitoradas. É um mercado super jovem. Quase metade delas surgiram nos últimos três anos. Elas vão começar, agora, a receber investimentos de venture capital. Haverá um grande salto de investimentos e operação dessas tecnologias”, concluiu Araújo.
Cuidados baseados em valor
Márcia Makdisse, mentora e consultora em modelos de remuneração baseados em valor, foi outra palestrante do painel. “Não sou da área de Tecnologia da Informação, mas sei minhas necessidades quando vamos implementar esses modelos. Primeiro ponto deles é que você atrela a entrega dos melhores resultados à remuneração. O que vemos, porém, são modelos de negócios alternativos ao fee for service, mas não atrelados ao valor.”
A painelista afirmou que embora o conceito do modelo de remuneração baseada em valor seja simples, a sua implementação não é. Para ilustrar a afirmação, ela apresentou dados da pesquisa The Future of Value Based Care 2019, que ouviu mais de mil líderes globais do setor de Saúde.
Segundo os dados apresentados, a principal barreira para implementar modelos baseados em valor é a falta de recursos humanos para 25% dos respondentes. “É um novo modelo de cuidado. Muitos falam em remuneração baseada em valor para aplicar no fee for service, mas isso não funciona. Temos que olhar as necessidades da população e construir um modelo de cuidado. A partir daí ver a remuneração”, analisou Makdisse.
A pesquisa mostra que 20% dos líderes em Saúde acreditam que os gaps na interoperabilidade interna e externa prejudicam o estabelecimento de novos modelos. “Sem dados próximos do tempo real não prevemos os riscos.”
A palestrante também ressaltou que essa transformação não é somente tecnológica. Implementar um sistema de cuidados baseados em valor significa que além da estratificação do risco, você precisa de um time comprometido atuando, sendo papel de toda a estrutura assistencial fazer rodar o modelo.
“Segundo ponto que a pesquisa traz: os benefícios. O principal é a redução de erros e melhores desfechos, para 48% das pessoas”, descreveu Makdisse. Ela afirmou que, nesse sentido, já existem sistemas feitos em backwards: primeiro é observado o desfecho desejado para a população e depois a construção do modelo, e não o contrário. Além disso, a palestrante destacou que a pesquisa aponta que esses sistemas trazem satisfação ao paciente, que percebe a responsabilização dos prestadores.
Inteligência Artificial
A última palestra da mesa foi conduzida por Fernanda Oliveira, coordenadora do Grupo de Trabalho ‘Valor em Saúde’ da Associação da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para a Saúde (Abimed), que falou da importância da inteligência artificial (IA) como auxiliar na construção de um sistema de cuidado baseado em valor.
“A gente tem que pensar em como a IA ajuda a passar da questão do volume e ir para a do valor. Não só na ponta, quando já tem organização de dados. Grande desafio que temos é que
além da complexidade grande em volta das questões clínicas do paciente, as informações ainda não estão integradas. Cada player tem a sua informação”, disse Oliveira.
Outro desafio indicado pela palestrante é entender, dentro desse contexto de sistemas de saúde, como são as jornadas dos pacientes. “Levamos cerca de dois anos para entender a jornada e levantar dados do mundo real, identificando direcionadores para a jornada de valor. Para implementar um modelo, vai mais um ano de entendimento do cenário específico, com adaptação de ferramentas voltadas ao valor e capacitação interna para o novo modelo. E na hora de tomada de decisões, ainda somos muito devagar.”
Oliveira entende que a IA não traz apenas a vantagem de acelerar o processo quando o sistema está organizado, mas também a capacidade de organizar e estruturar big data para acelerar e ter informações necessárias para modelos baseados em valor.
“Sem dúvida, quando temos aceleração, conseguimos insights mais rápidos e assertivos para a construção dos modelos, além de melhor a gestão de risco. Da perspectiva de um hospital, com a inteligência artificial consigo sinalizar equipes médicas e clínicas para intervenções imediatas. Da perspectiva das operadoras, tenho respostas rápidas não só na gestão atuarial, mas na de risco populacional”, completou.