Venezuela: de Hugo Chávez ao chavismo sem Chávez

NA OPINIÃO DO DOUTOR EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS, PARA OS PAÍSES LATINOAMERICANOS E PARA O BRASIL, EM PARTICULAR, A CRISE VENEZUELANA REPRESENTA UM RETROCESSO NA INTEGRAÇÃO E NA DEMOCRACIA DA REGIÃO

Artigos

Venezuela: de Hugo Chávez ao chavismo sem Chávez

NA OPINIÃO DO DOUTOR EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS, PARA OS PAÍSES LATINOAMERICANOS E PARA O BRASIL, EM PARTICULAR, A CRISE VENEZUELANA REPRESENTA UM RETROCESSO NA INTEGRAÇÃO E NA DEMOCRACIA DA REGIÃO

Hugo Chávez representou um novo capítulo na história política venezuelana. Pode ser considerado como uma ruptura do sistema político tradicional que, nas eleições de 1998, conheceu sua mais flagrante derrota, diante dos 56% dos votos atribuídos a Chávez. Sua vitória deveu-se, entre outros fatores, à dependência do país em relação às exportações de petróleo, que redundou na baixa diversificação da Economia e na concentração de renda, e no desgaste dos partidos políticos mais antigos, como o Copei e a Ação Democrática.

No início do mandato, Chávez realizou eleições para uma Assembleia Constituinte, com o seu partido, o Polo Patriótico, controlando 121 das 131 cadeiras, em parte por conta do boicote dos partidos tradicionais. Com a nova Constituição, o nome do país foi mudado para República Bolivariana da Venezuela, em homenagem a Simon Bolívar; foi instituído um sistema parlamentar unicameral, com a extinção do Senado; foi garantido o monopólio das riquezas do petróleo; a seguridade social ganhou maior atenção do Estado; e o mandato presidencial foi ampliado para seis anos, com direito à reeleição.

Nos anos iniciais de seu primeiro governo, Chávez promoveu uma forte política de distribuição de renda e, no início de 2002, anunciou medidas de desapropriação de latifúndios e elevação das taxas de extração do petróleo. O alto preço no mercado internacional, que em 1999 aumentou 150%, vinha garantindo a Chávez recursos para manter o funcionamento da máquina pública, promover as reformas internas e adotar uma política externa proativa.

As novas medidas, porém, levaram setores empresariais, em articulação com alguns grupos das forças armadas, a promover uma greve geral de 9 a 11 abril de 2002 e, no dia 12, anunciar a renúncia de Chávez e a nomeação de Pedro Carmona, presidente da entidade empresarial Fedecâmaras. Mesmo com o rápido reconhecimento do novo governo pelos Estados Unidos, os militares chavistas conseguiram reverter o golpe e recolocar Hugo Chávez na presidência já no dia 14.

Em dezembro, um “lock out” na Petróleos da Venezuela S.A. e uma greve geral pedindo a renúncia de Chávez paralisaram o país. A OEA e a grande maioria dos países latinoamericanos, incluindo o Brasil, que em abril haviam condenado a tentativa de golpe, se posicionaram novamente em favor da legalidade. Esses episódios levaram o presidente venezuelano a incrementar a colocação de militares aliados em postos- chave da administração, o que já vinha ocorrendo desde o primeiro momento. Para enfraquecer as oposições, avançou no controle dos meios de comunicação.

Enquanto o dinheiro do petróleo garantiu as políticas sociais, ou seja, até 2010, Chávez fortaleceu o Estado, reformou o sistema político – em 2007 foi criado o Partido Socialista Unido da Venezuela – e adotou medidas repressivas. As oposições, por sua vez, não conseguiram promover a unidade e, ainda que contando com lideranças expressivas como Henrique Capriles e Leopoldo López, tiveram dificuldades em ganhar apoiadores, principalmente entre os militares.

A partir de 2010, a deterioração econômica do país se acelerou minando o apoio ao governo e tornando mais duras as críticas da oposição. Em meados de 2011, foi anunciado o câncer de Hugo Chávez que, após três cirurgias em Cuba, se candidatou e venceu as eleições de outubro de 2012, com 55,3% dos votos. Chávez faleceu em 5 de março de 2013 e, mesmo sem tomar posse oficialmente, foi sucedido, interinamente, por Nicolás Maduro.

Em abril, novas eleições presidenciais resultaram na eleição de Maduro, com 50,6% dos votos. Em meados de 2013, a crise econômica se agravou, com elevação acentuada da inflação e crise de abastecimento. Nos últimos anos, sem que a economia do país tenha melhorado e diante do crescimento das forças de oposição, o governo Maduro restringiu ainda mais a atuação das oposições, por meio de prisões e de mudanças institucionais, como o recente fechamento da Assembleia Legislativa, após instalação de nova Constituinte.

Para os países latino-americanos e para o Brasil, em particular, a crise venezuelana representa um retrocesso na integração e na democracia da região. Não há saída simples, o que foi demonstrado pelo fracasso das tentativas de mediação, como as da Unasul. Tampouco seria alternativa razoável a intervenção armada norte-americana, como aventou Donald Trump. Os princípios da autodeterminação e da não-intervenção têm raízes profundas na região.

O chavismo pode ser considerado um ponto de inflexão na história venezuelana e, provavelmente, continuará a ser uma força política importante nas próximas décadas. Se preservada a democracia – ou o que tem sobrado dela – e eleições regulares, mesmo que a oposição a Nicolás Maduro venha a substituir o atual governo, o chavismo continuará sendo o fiel da balança por muitos anos, a pautar partidos políticos simpáticos ou contrários ao seu projeto.

Gostemos ou não, como já compreendeu Capriles, o apoio de setores do chavismo será fundamental nas próximas eleições para quaisquer candidatos de oposição. A ampliação dos direitos sociais e a participação política de setores populares continuarão a fazer parte da paisagem.

CARLOS EDUARDO VIDIGAL é professor do curso de História da Universidade de Brasília

Artigo publicado na Revista da APM – edição 692 – setembro 2017