Bráulio Luna Filho – Escolas precisam de mecanismos externos de avaliação para evoluir

Bráulio Luna Filho é graduado pela Universidade Federal da Bahia, especialista em Medicina Interna e Cardiologia pelo Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo e doutor pela Universidade Federal de São Paulo.

Entrevistas

Bráulio Luna Filho é graduado pela Universidade Federal da Bahia, especialista em Medicina Interna e Cardiologia pelo Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo e doutor pela Universidade Federal de São Paulo. Nessa conversa, o atual secretário e ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo expõe os aprendizados do Exame do Cremesp e fala sobre suas expectativas diante da Avaliação Nacional Seriada dos Estudantes de Medicina (Anasem). Com sua experiência internacional – Luna Filho é ex-research fellow do Brigham & Women Hospital, da Harvard Medical School (Boston, EUA) –, também aborda meios de avaliação de escolas médicas praticados em outras partes do mundo.

EXAME DO CREMESP
O que esta avaliação tem constatado é que existe uma heterogeneidade na qualidade dos egressos das escolas médicas de São Paulo. Isso fica evidente quando você analisa o conjunto de faculdades públicas e privadas. Embora existam instituições privadas com desempenho muito bom e públicas com desempenho não tão bom, quando você faz a análise do grupo, as privadas tendem a ter um resultado pior. Isso se deve a vários fatores e, de qualquer maneira, nos preocupa. Em geral, constatamos, lamentavelmente, que cerca de metade dos egressos têm formação inadequada para começar a prática médica, principalmente no Brasil, onde o indivíduo se forma e tem direito ao exercício pleno da Medicina.

AVALIAÇÃO NACIONAL SERIADA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA
Houve uma mudança na Anasem que causou certa apreensão. Não foi qualificado ainda quem serão os componentes da comissão que irá supervisionar e acompanhar a aplicação da prova. Na portaria anterior, estes atores estavam definidos. Outro aspecto que chamou a atenção é que antes estava claro que o estudante do 6º ano que não alcançasse determinado nível – que seria estabelecido pela comissão – não se graduaria. Agora, ainda não está definido como isso funcionará. De qualquer maneira, não houve desistência do que estava definido na lei, que é fazer uma avaliação no 2º, 4º e 6º anos. Esperamos que aconteça com a melhor técnica pedagógica possível.

AVALIAÇÃO
As escolas têm programas de acompanhamento. Elas são monitoradas, prestam contas ao Ministério da Educação, que avalia a estrutura docente da instituição e irá aplicar agora a Anasem. Tudo isso tem a ver com a estrutura interna da escola, para que mantenham um mínimo de qualidade. Mas o que a prática no mundo demonstra? Que é necessária uma avaliação externa. E as experiências apontam que, em geral, o Estado não faz este papel. Nos lugares onde esse esquema funciona, são organizações sociais que fazem as avaliações externas, com verbas do Estado, em duas fases. A primeira é acreditando as escolas e vendo como estão aplicando o seu programa pedagógico. A segunda é checando, ao fim do processo, se a escola alcançou a qualidade necessária para graduar os alunos. Nesse ponto, o Cremesp defende a necessidade do exame terminal de licenciatura, para provar que o aluno está capacitado para exercer a prática médica.

INTERESSES FINANCEIROS
O grande problema do Brasil é que praticamente 70% das escolas são privadas. Muitas delas visam apenas lucro. Fica muito difícil garantir a qualidade assim. Na maioria dos países do mundo, as melhores escolas pertencem a fundações que não visam lucro. No Brasil, as escolas viraram um grande filão de negócio: são caras, têm mensalidade média de R$ 5 mil e baixa taxa de desistência (inferior a 5%, diferente de outros cursos que atingem quase 40%). Virou um mercado muito interessante para a indústria da Educação. No Brasil, esses grupos são muito poderosos, financiam candidaturas de parlamentares e criam dificuldades para fiscalizar as escolas com isenção.

FORTALECIMENTO DO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA
Discordamos que o curso médico tenha que estar voltado somente para formar clínicos gerais ou somente especialistas. O curso médico tem que formar um profissional com conhecimento amplo, que irá se especializar na residência médica. Querer que todos entrem no mercado via Programa de Saúde da Família está incorreto, não é assim que se supre a falta de indivíduos especializados na atenção primária. O que irá fazer com que colegas escolham esta área são boas condições de trabalho e remuneração adequada, com plano de carreira. Na medida que o mercado esteja discriminando financeiramente quem faz determinados atendimentos em relação a outros, a tendência é que os médicos recém-formados optem por caminhos nos quais possam obter mais renda, naturalmente.

RESIDÊNCIA SIMULTÂNEA AO CURSO DE PRECEPTORIA
Essa proposta não deve atrapalhar a formação do médico. O que deveria acontecer, no entanto, seria a disponibilização de tecnologias de aperfeiçoamento e treinamento para aquele indivíduo que quer fazer isso, que tem características e motivações para isso. Você não pode querer que todo mundo seja físico nuclear, só pela necessidade de ter físicos nucleares.

Acharia mais interessante se o Governo estivesse preocupado em capacitar professores para escolas médicas, treinando os médicos que estão vinculados a programas de Educação, para que aprendam técnicas de ensino e avaliação. A preceptoria na residência é o cenário menos preocupante, pois é um treinamento, você só precisa de um especialista do lado para acompanhar, alguém que saiba realizar os procedimentos, não de um professor.

O professor de Medicina não é só quem sabe fazer, mas quem avalia, motiva e estimula o aluno a aprender de maneira continuada.