Luiz H Mandetta – Abertura desenfreada e sem critérios de faculdades de Medicina

Para Luiz Henrique Mandetta, deputado federal e médico, com a abertura indiscriminada de faculdades médicas privadas, haverá uma geração de recém-formados endividados e mal preparados.

Entrevistas

“Pelas regras do Fies, um curso de Medicina no valor mensal de R$ 6 mil durante o período de seis anos gera uma dívida de mais de R$ 1 milhão, que deverá ser quitada em 18 anos”, ressalta. O parlamentar critica ainda a obrigatoriedade da residência em Medicina de Família e Comunidade imposta pelo Governo Federal por meio do Mais Médicos.

CURRÍCULOS DESATUALIZADOS

O panorama geral da qualidade de ensino no País é a constatação de que já estamos há muito tempo formando mal os nossos médicos. Estamos com os currículos desatualizados, alguns professores de Medicina muitas vezes sem preparo para a arte de ensinar. Improvisação de várias cadeiras importantes, com dois sistemas de ensino paralelos: o tradicional e o de estudo por problemas, que não conversam entre si. Não sabemos ainda qual vai ser o futuro prognóstico do ensino médico, a não ser que estamos formando mal. E com essa abertura desenfreada de novas faculdades de Medicina e sem critérios, devemos formar pior.

RECÉM-FORMADOS ENDIVIDADOS

Essas novas vagas em Medicina foram, na maioria das vezes, abertas em faculdades privadas, criadas em função de um financiamento como o Fies, que é um repasse direto de dinheiro aos grupos escolares de investimento educacional. Esses jovens médicos sairão da faculdade com uma dívida muito grande a pagar. Pelas regras do Fies, um curso de Medicina no valor mensal de R$ 6 mil, durante o período de seis anos, gera uma dívida de mais de R$ 1 milhão, que deverá ser quitada em 18 anos. Então, o recém-formado vai partir para aquelas práticas típicas de quem precisa ganhar dinheiro, como plantões extenuantes e aceitar condições desfavoráveis de trabalho. Vai ser uma geração de médicos endividados e malformados, o que é um coquetel explosivo para a sociedade.

RETENÇÃO E ABERTURA DE FACULDADES

Quando se aplica uma prova como a do Cremesp, em que o percentual de aprovação é baixo, significa que durante os últimos seis anos o aluno já vinha tendo desempenho baixo e estava sendo aprovado pelos mestres. Apesar de o Governo ter prometido por várias vezes criar avaliações seriadas durante o curso de Medicina, é muito difícil a gente ver neste País políticas sérias, que primam pela qualidade. Estamos indo para 340 escolas médicas, devemos formar algo em torno de 35 mil médicos/ano. E o pior, a grande maioria malformada. O curso de Medicina vai ser explosivo, teremos muitos casos de má prática médica.

AVALIAÇÃO CONTÍNUA

O meio mais adequado para fiscalizar e avaliar as escolas médicas deve passar pela exigência de um percentual grande de professores com mestrado ou doutorado, produção científica, vivência hospitalar de ensino na prática, reforço da questão ética, enfim, recuperar esses profissionais que têm tanta autonomia de decidir sobre a vida das pessoas, para que tenham a noção do papel deles na sociedade. É importante fazer com que as avaliações ocorram durante todo o curso e cobrar das faculdades que façam os investimentos necessários para que a sociedade tenha bons médicos. A indústria de diplomas como a gente está vendo vai ser extremamente cara e ineficaz para o País.

FISCALIZAÇÃO E REGULAÇÃO DAS ESCOLAS

Há movimentação parlamentar para que sejam aprimoradas as leis de fiscalização, regulação e abertura de escolas médicas. No ano passado, foi feita grande avaliação no âmbito da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara e criada uma subcomissão para avaliar as questões da formação, pós-graduação e carreira médica. Isso resultou em projetos de lei que tentam aperfeiçoar a fiscalização, a questão dos exames de progressão e elaborar critérios mais claros para a criação de cursos de Medicina. Esses projetos ainda estão em tramitação no Congresso Nacional.

CONCENTRAÇÃO PROFISSIONAL

Após o curso, o Mais Médicos optou por serviço civil obrigatório, de um a dois anos, com a Medicina de Família e Comunidade como pré-requisito para a residência médica. E o SUS não tem nenhuma proposta de trabalho para essas pessoas. Jogam-nas ao sabor do mercado. O interior não tem condições de oferecer uma carreira. Normalmente, oferta um grande salário e paga o profissional por pouco tempo. Não há condições de infraestrutura para a prática da Medicina no interior. Então, vamos continuar a ver uma elevada concentração de médicos nas capitais, onde há infraestrutura no atendimento à Saúde e a relação médico/habitante já é explosiva. Temos cidades com mais de 12 médicos por mil habitantes, e no Brasil todo, uma relação inferior a 2,5. Assim, teremos no País duas categorias de Medicina, para dois tipos de brasileiros: aqueles que vão em locais de alta especialização, com grau de excelência, extremamente caros, proibitivos para a grande maioria da população; e os que ficarão à mercê de um mercado grotesco, que não traz nenhum tipo de inovação, de perspectiva de carreira para que um jovem médico brasileiro possa ter uma vida decente e paz de espírito para praticar a Medicina.

FUTURO DA MEDICINA

Precisamos criar políticas públicas porque somos um País que envelhece. Um País que precisa se preparar para a explosão de doenças degenerativas, cardiovasculares, ao mesmo tempo que convive com uma epidemia de traumas e de doenças negligenciadas, como a dengue e a leishmaniose. É válido também para o sistema de Saúde formar uma atenção básica que funcione.