Cadáver sintético nacional supre falta de corpos para estudo de medicina

Centenas de médicos tiveram de intubar pacientes durante a primeira fase da pandemia de Covid-19 e, muitos deles, fizeram o procedimento pela primeira vez em hospitais lotados. Intubação, técnicas cirúrgicas e até vascularização de artérias e veias poderão agora ser treinadas ainda nas universidades com o uso de cadáver sintético realístico 100% nacional criado pela Csanmek, empresa de tecnologia aplicada à medicina com sede em Arujá (SP)

O que diz a mídia

Centenas de médicos tiveram de intubar pacientes durante a primeira fase da pandemia de Covid-19 e, muitos deles, fizeram o procedimento pela primeira vez em hospitais lotados. Intubação, técnicas cirúrgicas e até vascularização de artérias e veias poderão agora ser treinadas ainda nas universidades com o uso de cadáver sintético realístico 100% nacional criado pela Csanmek, empresa de tecnologia aplicada à medicina com sede em Arujá (SP).

Fundada há oito anos pelo ex-gestor hospitalar Claudio Santana para desenvolver equipamentos médicos para aprendizado virtual, como mesas anatômicas 3D, a empresa criou um corpo fake que reproduz até mesmo a textura dos órgãos humanos. O produto foi apresentado no Congresso Brasileiro de Educação Médica, em Foz do Iguaçu, no mês passado, e está chamando a atenção de professores e instituições.

— Durante o período da pandemia nossa equipe se dedicou a desenvolver tecnologias com base no conhecimento acumulado. Já sabíamos da necessidade de corpos sintéticos no mercado e o protótipo ficou pronto em seis meses — diz Santana.

O corpo criado pela equipe de 26 pessoas, entre médicos, cirurgiões, anatomistas e engenheiros, serve para estudos em aulas de anatomia e pode ser submetido a várias técnicas médicas e de cirurgia, com a reprodução de patologias. Podem ser feitas, por exemplo, retirada de órgãos como apêndice e vesícula. Lesões de pele podem ser suturadas.

A meta é reproduzir as condições de um centro cirúrgico, pois o corpo é dotado também de sangue artificial. A integridade do cadáver artificial, após os procedimentos, é garantida com a reposição de peças, que podem ser adquiridas separadamente.

DEMANDA UNIVERSITÁRIA

Santana conta que o desenvolvimento partiu da demanda de universidades, que têm grande dificuldade de conseguir cadáveres para estudos científicos.

Já existe um concorrente no mercado internacional, desenvolvido nos Estados Unidos, mas a experiência feito com produto no Brasil, iniciada há cerca de dois anos, segundo especialistas, deixou a desejar. O corpo artificial americano tem de permanecer sempre molhado, o que favorece a proliferação de fungos em países de clima quente, como o Brasil.

— Sou inquieto, não paro de desenvolver. Mas a ideia é ouvir o mercado para saber o que é preciso ser feito. Nosso sangue sintético é bem próximo do real e também reage ao luminol, como ocorre em perícias criminais — diz Santana que desenvolveu também uma cabine de ambulância do Samu para que os profissionais sejam treinados a atender com o veículo em movimento e operando telas de computador.

Toufic Anbar Neto, diretor da Faculdades Ceres de Medicina (Faceres), em São José do Rio Preto (SP), afirma que o cadáver sintético brasileiro é bem mais barato do que o similar estrangeiro e a qualidade, muito melhor.

— Usar um cadáver humano hoje em dia é uma dificuldade e sem uso de tecnologia é inconcebível manter e ampliar cursos de medicina no país. Ela é ferramenta para desenvolvimento do aluno — diz Anbar Neto.

SEM CADÁVERES

Em algumas instituições, segundo Santana, porcos são usados para treinamento cirúrgico, para suprir a falta de cadáveres.

Fábio Passos, professor de anatomia na Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), afirma que, para os cursos de medicina, os avanços são essenciais.

— É uma evolução tecnológica fantástica. Com o aumento no número de cursos de medicina, necessário para atender a população, a demanda por corpos aumentou muito. Ao mesmo tempo, o número de cadáveres não reclamados pelas famílias diminuiu nos últimos anos, o que é bom do ponto de vista social.

Passos lembra que o governo pode doar para estudos científicos corpos de indigentes, geralmente moradores de rua, que não são reconhecidos por familiares e, muitas vezes, estão sem documento. O trâmite, porém, é bastante burocrático.

Segundo ele, o cadáver sintético supre a lacuna e é feito de silicone flexível, o que faz com que seja bem próximo do real.

O professor de Ciências Médicas e Anatomia da Universidade Santo Amaro (Unisa), em São Paulo, Luigi Ferreira e Silva, diz que tem sido preconizado o não uso de material biológico e produtos químicos necessários para mantê-los, que podem contaminar ambientes, e a tecnologia é a saída.

— A solução é chegar mais perto do real possível e estamos progredindo muito. Muitas vezes são usadas peças duras, de resina e acrílico, que não são tão fidedignas — diz.

Ferreira e Silva explica que o corpo sintético permite que sejam treinadas práticas invasivas de baixa e média complexidade, como punção de artérias e veias, necessária, por exemplo, para alunos de anestesiologia. E lembra que os estudantes ficam nervosos quando precisam aplicar uma técnica, como a intubação, numa ação emergencial em hospital. Com o treino em um corpo fake, aumenta a segurança no procedimento real

— Tudo isso acelera a curva de aprendizagem— diz .

Ferreira e Silva afirma que o congresso, onde o corpo sintético foi apresentado ao setor, reúne o que há de mais moderno em tecnologia para o setor.

— É a Disneylândia da Medicina — brinca.

A CsanMek, que já exporta para 12 países e já tem encomendas para o cadáver sintético no Brasil e no exterior, diz que já estão sendo desenvolvidas as versões 2.0 e 3.0 do produto, a serem lançadas ainda no primeiro semestre de 2023.

— A próxima geração vai permitir escuta do coração, sentir o pulso e controle de frequência cardíaca — adianta.

Fonte: Cleide Carvalho / O Globo