‘Hoje ninguém deveria morrer por contrair HIV’

Globalmente, estima-se que 38,4 milhões de pessoas vivam com o HIV

O que diz a mídia

Globalmente, estima-se que 38,4 milhões de pessoas vivam com o HIV. Sendo 1 milhão delas no Brasil. A vasta maioria dessa população conhece seu diagnóstico e adere às diferentes opções de tratamento com fármacos antirretrovirais, cuja função é inibir o funcionamento do vírus no organismo e barrar —quando utilizados de maneira disciplinada — o desenvolvimento da síndrome da imunodeficiência adquirida, a Aids.
Embora o avanço brilhante da ciência tenha mudado o desfecho da infecção nas últimas décadas, o mundo ainda patina quando o tema é aderir às políticas para encerrar a epidemia causada pelo vírus. Diante desse grande desafio, a diretora-executiva do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/ AIDS (Unaids), Winnie Byanyima, acredita que a engrenagem capaz de potencializar um mecanismo global de controle do vírus está baseado na igualdade. Seja ela de gênero, renda, raça, acesso às novas tecnologias e de orientação sexual. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, após participar do lançamento de um comitê de combate a novas epidemias no Brasil, ela falou sobre a necessidade da abordagem multidisciplinar para controlar as infecções por HIV.
Como será esse conselho de desigualdades, HIV e pandemias?
Estou muito feliz de estar no país para lançar esse conselho global, no Ministério da Saúde brasileiro. A ministra Nísia Trindade Lima concordou em participar desse grupo, que tem a função de destacar que as desigualdades impulsionam (a disseminação) do HIV, a pandemia da Covid-19 e intensificará novas pandemias. Queremos reunir pessoas com pesquisas, evidências, e elevar a discussão em espaços de políticas globais e nacionais. Trabalhamos há 25 anos com o HIV, ainda não temos curas ou vacinas, mas temos ferramentas médicas para prevenir, tratar e identificar o vírus. A esta altura ninguém
deveria morrer da infecção, mas perdemos 650 mil pessoas por ano por causas relacionadas à Aids, e isso tem a ver com as desigualdades.
Quais aspectos o Brasil precisa resolver agora?
Vemos uma combinação de desigualdade econômica
e racial. Contudo, o Brasil tem feito um importante progresso no que diz respeito às respostas ao HIV. Na década entre 2011 e 2021, o país reduziu as novas infecções e as mortes, porém há um diferente cenário para alguns grupos. Considerando toda a população, a taxa de novos
casos caiu 12%, mas se mirarmos nos afrodescendentes, houve aumento de 30%. São diferentes trajetórias.
Ainda é possível atingir a meta de acabar com a epidemia da Aids em 2030?
A maioria dos países não está no caminho certo para
atingir essa meta. Ainda é possível, mas são necessárias mudanças robustas. Temos alguns alvos para isso, um deles é identificar os casos, iniciar o tratamento até que essa pessoa esteja indetectável (quando se não transmite o vírus). E possível, mas vemos ainda que os sistemas de saúde
de alguns países estão em colapso por conta da Covid-19. Em muitos países onde há uma alta da epidemia, também há a criminalização de pessoas LGBTQIA+, ou dos profissionais do sexo. É preciso que nos livremos dessas leis. Também temos que abordar as desigualdades entre homens e mulheres na África, por exemplo. Você ficaria surpresa ao saber o quanto estar em uma escola até o fim do ensino médio dá segurança à uma garota em relação ao contato com HIV.
0 tratamento antirretroviral injetável de longa duração não é uma mudança de paradigma para o controle do vírus?
Um dos aspectos que temos que apressar o passo é justamente no acesso às novas tecnologias. Essas ferramentas estão disponíveis nas Américas, na Europa, mas não estão disponíveis nos países em desenvolvimento por conta de seu preço. Então, enquanto não conseguirmos equalizar esse acesso, estaremos andando muito lentamente até nossa meta (de acabar a epidemia).
No Brasil, existe um intenso debate sobre educação sexual nas salas de aula. Qual é o papel desse tipo de ensino?
A educação sexual é muito importante, especialmente nos dias de hoje. Talvez pelo que comemos ou pelo nosso ambiente, as meninas estão entrando na puberdade cada vez mais jovens. É muito importante que, tão logo estejam na puberdade, os meninos e meninas entendam o que são seus corpos, o que é sexualidade. Além de aprender como se proteger de infecções sexualmente transmissíveis. Muitos países, infelizmente, são contra, por conta de grupos conservadores. Nós não, sabemos que educação sexual salva vidas.
Como as famílias podem falar sobre HIV dentro de casa?
A família, em muitos países, é um espaço patriarcal, onde o poder dado ao homem é superior ao da mulher. Eu, como feminista, defendo o fortalecimento da voz das mulheres. É preciso trabalhar com líderes para fortalecer a mentalidade sobre o valor (equivalente) das pessoas. Se não houver igualdade na família, será muito difícil discutir essa questão.

Fonte: O Globo