Riscos dos cigarros eletrônicos e narguilés são tema da Tertúlia Acadêmica

Com o tema “Cigarros Eletrônicos e Narguilé: A renormalização do fumo”, a palestra foi ministrada pela pneumologista Luiza Helena Degani Costa

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O Brasil, durante muitos anos, foi um exemplo no combate ao tabagismo. Dados apontam que em 1989, o País tinha uma prevalência de 32% de fumantes, enquanto o número, em 2019, diminuiu para 9%. Tudo isso foi resultado de grandes campanhas de conscientização e políticas públicas que buscaram apontar os riscos trazidos pelo consumo do produto, possibilitando que a população redobrasse seus cuidados acerca do vício.

Todavia, mesmo diante dos importantes feitos, uma nova preocupação voltou a assolar a classe médica e os profissionais da Saúde do País: a ascensão de cigarros eletrônicos e narguilés entre os indivíduos, potencialmente, os jovens. Buscando discutir o assunto e evidenciar quais são as ameaças que este consumo traz para a população fumante, a Academia de Medicina de São Paulo trouxe o tema na edição de julho de sua Tertúlia Acadêmica, realizada na última quarta-feira (13), na sede da Associação Paulista de Medicina – também com transmissão on-line.

Com o tema “Cigarros Eletrônicos e Narguilé: A renormalização do fumo”, a palestra foi ministrada pela pneumologista Luiza Helena Degani Costa.

Contexto Histórico

A especialista iniciou a sua apresentação trazendo um contexto histórico sobre a trajetória do fumo. Ela explicou que o tabaco, especificamente, é uma planta natural das Américas já utilizada pelos índios quando os europeus chegaram no território americano, de modo que o primeiro relato de vício ocasionado pela substância aconteceu por parte de um integrante das naus capitânias.

Inicialmente, o item acabou sendo levado para a Europa como especiaria, sendo restrito às populações de classes altas. No entanto, a situação foi modificada com a chegada da Revolução Industrial, trazendo o surgimento das primeiras máquinas de produção de cigarro e, consequentemente, popularizando o consumo de tabaco entre as populações de baixa renda devido à sua alta distribuição no mercado.

“Naquela época, não havia evidências científicas que demonstrassem o tanto que o consumo do tabaco poderia fazer mal. Inclusive, no início ele era recomendado para tratar doenças respiratórias, como asma e tuberculose. Essa ideia de que o cigarro poderia ser saudável contribuiu para a disseminação dele entre a população, aumentando o vício. Além disso, o cinema também contribuiu para a cultura do consumo do tabaco, já que a imagem do cigarro era vendida como algo luxuoso, relacionado ao glamour, o que contribuía para a desinformação sobre o produto”, explicou.

O cenário passou a mudar em 1964, quando foram elaborados estudos relacionando o consumo do tabaco ao desenvolvimento de doenças, como o câncer. Dessa maneira, a Associação Médica Americana (AMA) elaborou um documento proibindo médicos de fazerem propagandas de cigarros e exigindo a criação de políticas públicas que relembrassem que o item é prejudicial à saúde.

“Foi assim que a indústria do tabaco passou a desenvolver o cigarro light, que não tinha um efeito positivo, já que fazia com que os pacientes acabassem fumando mais pelo fato de haver uma quantidade menor de nicotina no produto, não cessando a vontade de fumar. Foi neste momento que a OMS determinou uma série de estratégias a fim de conter a epidemia de tabagismo, como a proibição de anúncios do produto em mídias, a inserção de fotos explícitas nos maços para deixar os usuários cientes dos riscos que eles estão correndo, além da proibição do consumo em lugares fechados”, relembrou.

Atualidade

Os cigarros eletrônicos passaram a existir nos anos 2000 e se disseminaram ao redor do mundo. Atualmente, algo que chama a atenção é a estética dos aparelhos – que lembram pen-drives –, apelação estrategicamente pensada para atrair jovens e garantir o seu consumo. Há cerca de 86 milhões de usuários do produto ao redor do mundo, e a expectativa de faturamento para essa indústria é de US$ 104 bilhões até 2028.

A quantidade arrebatadora de fumantes pelo globo, por si só, já seria preocupante. Mas, o que mais aflige as autoridades e profissionais da Saúde é o fato de o produto ser, predominantemente, manipulado por indivíduos jovens – em alguns casos, pessoas na faixa etária dos 11 aos 18 anos, que nunca haviam experimentado um cigarro convencional anteriormente.

“Do ponto de vista epidemiológico, quando a gente compara os usuários de cigarros eletrônicos com tabagistas comuns, há algumas diferenças notáveis. A gente sabe que o consumo de cigarros de tabaco tem uma relação direta entre a baixa renda e a baixa escolaridade, enquanto com o cigarro eletrônico acontece é contrário, já que temos indivíduos brancos, de classes altas e alto índice de escolaridade fazendo uso”, explica a médica.

Em relação ao consumo de narguilé, a pneumologista demonstrou que, apesar do instrumento ter se originado na Pérsia e apresentar um consumo maior em determinadas regiões da Ásia e do Oriente Médio, vem se popularizando gradativamente no Brasil. Assim como o cigarro eletrônico, o narguilé também é predominante entre jovens brancos do Sul e Sudeste e de classes mais abastadas.

Mesmo não sendo consumido com tanta frequência e tendo o seu uso associado a convívios sociais – como festas e pequenas reuniões entre amigos, por exemplo –, pode ser nocivo mesmo se a utilização for esporádica. A longo prazo, tende a ocasionar danos pulmonares severos e uma série de consequências que poderão ser sentidas não apenas para os fumantes, como também para aqueles que, indiretamente, fazem a inalação da fumaça – os chamados fumantes passivos.

Fatores de risco

Durante toda a apresentação, Luiza Costa reforçou que o consumo dos produtos discutidos durante a palestra é altamente prejudicial à saúde. No entanto, há pouco tempo, alguns estudos realizados pelo sistema de saúde da Inglaterra demonstravam que a utilização dos cigarros eletrônicos poderia substituir a necessidade do uso do cigarro convencional. Todavia, tais teorias não apresentavam embasamentos científicos eficientes, uma vez que apenas as terapias convencionais (já conhecidas e recomendadas) são seguras e eficazes para combater o tabagismo.

Nesse sentido, é importante salientar os riscos que o consumo destes instrumentos pode ocasionar. Inicialmente, há cerca de cinco substâncias no cartucho do cigarro eletrônico, um líquido que mistura glicerina, nicotina, essências e alguns outros elementos. Contudo, ao serem vaporizados, tais ingredientes passam a emitir diversas reações químicas que contribuem para a produção de substâncias tóxicas e cancerígenas. E como esses cigarros não são regulamentados, os estudos sobre o que, exatamente, está sendo emitido dentro deles ainda são muito escassos.

“No entanto, já temos algumas pesquisas realizadas dentro da Pneumologia que permitem identificar que a inalação de cigarros eletrônicos altera a capacidade de atuação das células respiratórias, aumenta o risco de pneumonia e causa irritação da via aérea. Isso se traduz em mais casos de bronquite crônica, desenvolvimento de asma e DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica)”, destacou a palestrante.

Além disso, o consumo também pode ocasionar outros sintomas, como irritação ocular, náuseas e vômitos, palpitações e, em determinados casos, situações em que o cigarro eletrônico explode durante o consumo, podendo ocasionar o óbito do usuário. Ademais, também pode causar enfisema pulmonar, além de danos cardíacos e neurológicos.

“A mídia americana, em 2019, relatou diversos casos de síndrome respiratória aguda. Os casos eram de pacientes muito jovens, com menos de trinta anos. Alguns deles morreram, outros ficaram com sequelas gravíssimas e, em alguns casos, tiveram até mesmo que passar por transplantes pulmonares. Ao analisar o histórico de tais pacientes, foi observado que o denominador comum entre eles era a utilização de cigarros eletrônicos”, descreveu a especialista.

A pneumologista encerrou a apresentação relembrando que o uso de cigarros eletrônicos e narguilés não deve ser incentivado de forma alguma, e que é necessário garantir que médicos e demais profissionais da Saúde recebam informações científicas confiáveis – uma vez que muitos deles ainda não veem a situação como um problema. Para a médica, é preciso unir esforços para combater esta epidemia e, assim, impedir que todo o combate que vem sendo feito contra o fumo no Brasil nos últimos anos seja destruído.

Finalizando o encontro, o presidente da APM e da AMSP, José Luiz Gomes do Amaral, agradeceu a participação de todos e salientou a necessidade de recuperar a literatura médica entre os estudantes de Medicina, já que as informações relevantes acerca de assuntos fundamentais para a área só podem ser encontradas diante dos livros. “Tivemos aqui hoje uma apresentação brilhante e extremamente convincente. Algumas conferências fazem valer a pena a nossa vida de médico por conta dos aprendizados obtidos e esta, definitivamente, foi uma delas”, elogiou.

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Fotos: Marina Bustos