A considerável taxa de jovens médicos no Brasil acende a necessidade de que esse grupo discuta o seu papel na Medicina do futuro, uma vez que a segurança dos pacientes depende cada vez mais da dedicação desses profissionais e cabe a eles fazer a diferença no atendimento de qualidade à população.
Foi neste sentido que os membros da Comissão Nacional do Médico Jovem da Associação Médica Brasileira se reuniram durante o Congresso de Medicina Geral da AMB, na última sexta-feira, 25 de julho, e debateram temas de ampla relevância para quem está no início da carreira, como vida acadêmica, mercado de trabalho e defesa profissional.
De acordo com João Otavio Ribas Zahdi, residente em Clínica Médica e Nefrologia, os primeiros anos após a formação são desafiadores, já que, por conta da disputa nos espaços de trabalho, é difícil encontrar a sensação de pertencimento. “Nós sabemos que o principal caminho para adentrar esse universo é se capacitar e a maneira mais difundida que temos é a residência médica. Porém, ficamos muito tentados no início da carreira a fazer um programa de especialização com carga horária reduzida, porque precisamos pagar as contas e, às vezes, não conseguimos conciliar uma especialização, que vai tomar longas horas, e ainda trabalhar para conseguir recursos.”
Seguindo o gancho, Caio Vinicius Botelho Brito, professor adjunto da Universidade do Estado do Pará e da Universidade Federal do Pará, comentou sobre a especialização envolvendo mestrado e doutorado. “Dentro da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), existem duas modalidades de mestrado, profissional e acadêmico. O título não te dá a habilitação para atuar na área, ele tem uma carga horária de docência na profissão e o doutorado para pesquisa aprofundada.”
Ele também acrescentou. “No Brasil, hoje, a titulação máxima é o doutorado e ele vale na iniciativa privada, porque trazendo o título de doutor, ele vai valer muito mais para a docência se você for dar aula. Se não for, caso seja só assistência, eu acho que não seja tão interessante. Mas quando você vai para o setor público, eles acabam agregando valores, dependendo da carreira que segue.”
Mercado de trabalho
Os desafios para quem se forma em Medicina e acaba de adentrar neste mercado se refletem diretamente na escolha pelo local de trabalho, conforme demonstrou Zeus Tristão dos Santos, médico e bacharel em Direito. “O que mais deve assombrar quem está se formando e que nunca trabalhou, só fez estágio, é o peso de ganhar 20 mil reais por mês. Isso vem com custo psicológico, com o propósito de como cuidar do paciente ali na ponta. Quanto terminamos a faculdade, não sabemos onde trabalhar e aí acabamos entrando em muitas enrascadas.”
Segundo a pediatra Rossiclei de Souza Pinheiro, a palavra que define essa fase da vida dos jovens médicos é “tentação”, seja por estarem interessados em assumir um plantão – às vezes por necessidade – ou pela crença de que quanto mais plantões, mais conseguirão pegar a prática.
“Hoje, nós trabalhamos com Medicina baseada em evidências, mas nem todos os profissionais conseguem passar isso, então há o risco de pegarem uma prática não adequada. Outro ponto é até quando conseguimos lidar com isso, porque a nossa faculdade é muito longa. Todos os dias a gente se autoavalia e vê qual é o nosso propósito, vocês querem fazer o melhor e ocuparam o tempo de vocês para ouvir sobre isso, então eu sei que querem fazer diferente. Daí a importância de ter um RQE (Registro de Qualificação de Especialista) – ele realmente agrega valor. Temos exigido que a especialidade seja exercida plena por médicos que são capazes, mesmo com a formação de 50 mil médicos por ano, temos que fazer a diferença”, argumentou.
Em seguida, Expedito Barbosa demonstrou as dificuldades enfrentadas neste contexto. “A questão é que os excelentes empregos são poucos, as vagas são em hospitais ruins e com situações complicadas. Há um sucateamento em que somos colocados com oito pacientes por hora, então é preciso dar atenção para quem está grave, mas também temos que dar opções para os outros pacientes que estão lá dentro.”
Para Barbosa, é necessário que os profissionais possam se reinventar. “No Brasil, tem muito médico malformado, mas também tem muito médico inteligente e empreendendo. Gostaria de provocar essa necessidade de aprender a empreender, a se vender e a lutar contra maus profissionais, mas que estão por aí ganhando muito dinheiro. Vocês precisam se tornar competitivos.”
Defesa Profissional
Gabriel Senise, membro da Comissão Nacional do Médico Jovem da AMB e diretor Geral da Comissão Especial de Médicos Jovens da Associação Paulista de Medicina, salientou que além dos médicos estarem se formando cada vez mais jovens e, por isso, talvez sem tanta experiência de vida, estão ingressando em um mercado de trabalho cada vez mais hostil e com alto nível de responsabilidade.
“Tem muitos colegas que saem endividados da faculdade, que precisam ajudar a família ou que já têm família constituída. Esses colegas têm que trabalhar, então vão se associar a uma entidade de cota de participação, sabendo que é inseguro, vão abrir um CNPJ e vão para seguradoras que sucateiam. Mas no final, quem responde é ele, o médico, judicialmente e eticamente. Eles estão encontrando dificuldades, porque é um sucateamento geral, isso quando recebe o pagamento, além da humilhação pública que precisam enfrentar, como é o caso de vereadores invadindo serviços de Saúde”, demonstrou Senise.
Yuri Franco Trunckle, diretor Institucional da Comissão Especial de Médicos Jovens da APM, indicou a necessidade de que a graduação em Medicina envolva disciplinas que contribuam para o entendimento da defesa profissional dos médicos. “Nós deveríamos ter esse preparo e ele deveria estar na cadeia da Medicina Legal, ali a gente faz a intersecção entre Direito e Medicina – quando estamos atuando como médicos, temos que entender que temos uma responsabilidade com o Direito.”
Trunckle também definiu de que forma a defesa profissional pode ser efetiva. “Ela começa, primeiro, pela boa técnica, depois vai para a boa prática, envolvendo a ética. O relacionamento médico-paciente é fundamental, invistam nisso. Pode ser estressante, mas é por isso que a nossa profissão é tão difícil e desafiadora.”
Senise finalizou reforçando que os ouvintes buscassem por boas referências. “Não só com o paciente, mas valorizem também a relação de coleguismo, sempre tratando o seu parceiro profissional de uma forma doce e educada, isso está sumindo um pouco. Busquem nas sociedades de especialidades as informações que vocês precisam, entrem em contato conosco. Sempre vai ter alguém disponível e querendo ajudar, as associações médicas têm uma defesa profissional muito eficiente e isso vai ser fundamental para vocês.”
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