No dia 06 de fevereiro, o diretor de Comunicações da Associação Paulista de Medicina, Marcos Cabello, participou do programa Questão de Cidadania, da Rádio Gospel FM. Cabello, que é ginecologista e obstetra, foi entrevistado pelo Bispo Carlinhos e esteve presente para falar sobre a questão do aborto, após a Prefeitura de São Paulo conseguir uma liminar que mantém suspenso o aborto legal no Hospital Vila Nova Cachoeirinha.
A instituição é uma referência para a prática do aborto legal nos casos aprovados por lei – quando o feto tem anencefalia, em que a gravidez traz riscos à vida da gestante e quando a mulher foi vítima de estupro. Com a liminar, pacientes que se enquadrem nestas situações serão encaminhadas a outros hospitais do município.
“A ideia não seria tomar uma posição a favor ou contra o aborto, mas tentar trazer uma reflexão para essa discussão que é muito complexa”, afirmou Cabello. “O aborto legal tem duas características, uma terapêutica e a outra sentimental e, nos casos em que não há a aprovação jurídica, a paciente praticante pode pegar até três anos de prisão, ao passo que o profissional que participou do procedimento pode ir de três a dez anos de detenção. É uma questão muito séria e temos que pensar na condição de saúde pública.”
O especialista explicou que, por uma questão logística, atualmente há uma certa dificuldade de pacientes terem acesso aos serviços de Saúde para fazerem histerectomias, cirurgias mamárias e não obstétricas. No caso do Hospital Vila Nova Cachoeirinha, o fechamento do serviço de aborto legal traz impactos por ser a única entidade que realizava o aborto até 22 semanas.
“É um procedimento extremamente complexo, não é só ir lá e esvaziar o útero. Do ponto de vista de saúde pública é arriscado. A paciente que preencher as questões e se estiver dentro da lei, por uma questão de cidadania, aí o julgamento não deve ser pessoal, até porque também tenho as minhas convicções éticas, mas ela tem o direito de ser acolhida pelo Estado”, descreveu Cabello.
O médico também salientou que o mesmo é garantido aos profissionais que não se sintam confortáveis. “O profissional da Saúde também tem o direito de não realizar o procedimento. Isso lhe é assegurado. Aí o estado vai encontrar outros profissionais que se proponham, é uma questão que demanda horas de conversa. Mas acho que tem que ser respeitada a opinião e que o paciente deve ser acolhido com a Justiça, dentro dos preceitos da Lei, porque, infelizmente, o aborto clandestino é uma tragédia.”
O diretor da APM ainda relembrou que, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, anualmente são realizados aproximadamente de 56 milhões de abortos em todo o mundo durante o ano. Segundo a Fiocruz, anualmente o Brasil realiza 800 mil abortos, sendo que 200 mil deles são feitos no âmbito do Sistema Único de Saúde. A complexidade da questão acentua ao se analisar que mais da metade dos casos acontece em meninas menores de 19 anos.
“Na minha época de acadêmico e residente, nós infelizmente recebíamos pacientes e perdíamos, provenientes daqueles abortos realizados nas piores condições possíveis. A realidade da Saúde e da Medicina é muito complexa e muito solitária, por isso, temos que buscar uma bioética propositiva, alternativa e precisamos de todos os saberes da sociedade, das religiões e das academias, para se conversar. Reduzir tudo isso a uma questão política é empobrecer a situação”, concluiu o obstetra.