Quando os cigarros eletrônicos, também conhecidos como vapes, começaram a se popularizar em meados da década de 2010, os pequenos dispositivos carregavam grandes promessas: eram apresentados como uma alternativa mais saudável ao cigarro tradicional e uma forma eficaz de parar de fumar.
Agora, pesquisadores começam a entender melhor os riscos associados ao uso dos vapes. Em um estudo publicado no mês passado, por exemplo, uma equipe de cientistas analisou o vapor emitido por modelos populares e encontrou níveis elevados de metais pesados — um dos cientistas envolvidos chegou a pensar que houvesse algo errado com a máquina que realizara a medição.
Outros estudos indicam que o uso de cigarros eletrônicos pode afetar o coração, os pulmões e o cérebro.
Especialistas demonstram preocupação de que a pesquisa sobre os impactos do uso do vape nos Estados Unidos fique ainda mais difícil. O governo Trump encerrou uma divisão dedicada ao estudo do tabagismo. Além disso, o financiamento federal para programas que ajudam pessoas a abandonar o uso dos dispositivos também foi drasticamente reduzido.
Dados sobre os efeitos à saúde no longo prazo ainda são limitados, uma vez que os cigarros eletrônicos são uma tecnologia relativamente nova e em constante evolução. Muitos dos usuários são adolescentes ou jovens adultos com seus 20 e poucos anos — ou seja, os impactos mais duradouros podem levar tempo para se manifestar.
Além disso, é comum que essas pessoas alternem entre o cigarro tradicional e o eletrônico, o que dificulta isolar os danos causados exclusivamente pelo vape.
Mesmo assim, o uso de cigarros eletrônicos ainda parece menos comum do que a versão tradicional entre adultos nos Estados Unidos: 4,5% declararam ter usado vape em 2021. Um estudo de 2024 com estudantes de ensino médio apontou que, entre eles, essa taxa era de quase 8%. (No Brasil, a pesquisa Vigitel apontou que, em 2023, 2,9% dos homens e 1,4% das mulheres usavam cigarros eletrônicos.)
“É uma questão de bom senso: uma substância química superaquecida inalada, que vai direto para os pulmões, não deve fazer bem. Sua mãe provavelmente lhe diria isso”, diz James Stein, professor de medicina cardiovascular na Faculdade de Medicina da Universidade de Wisconsin.
Cada vez mais, estudos indicam que, embora os cigarros eletrônicos não contenham as mesmas substâncias perigosas que o cigarro comum, eles também apresentam riscos próprios.
Coração
Uma tragada de cigarro eletrônico provoca efeitos imediatos no sistema cardiovascular. A frequência cardíaca aumenta e os vasos sanguíneos se contraem — o que, com o tempo, pode levar ao enrijecimento das artérias do coração.
“Quando a pessoa usa o vape o dia inteiro, repetidamente, é como se estivesse andando por aí com pressão alta o tempo todo”, afirma Stein. Isso aumenta o risco de arritmias, acidente vascular cerebral (AVC) e até infarto.
Segundo Irfan Rahman, pesquisador da Universidade de Rochester especializado em produtos com nicotina, por atingirem temperaturas mais altas, os vapes liberam quantidades maiores de substâncias tóxicas, que podem penetrar nos pulmões, alcançar a corrente sanguínea e chegar ao coração.
Quando aquecidos, os líquidos usados nesses dispositivos podem liberar substâncias cancerígenas, como formaldeído e acetaldeído. Esses e outros compostos químicos podem danificar os vasos sanguíneos, provocar inflamações e contribuir para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
Stein acrescenta que, ao parar de usar os cigarros eletrônicos, muitas pessoas enfrentam sintomas de abstinência da nicotina, o que pode causar um aumento temporário da pressão arterial e da frequência cardíaca.
Pulmão
O uso de cigarros eletrônicos provoca inflamação nas vias respiratórias e nos pulmões, que pode se tornar crônica, segundo Stein. O vape também pode agravar quadros de asma e sintomas de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), além de causar tosse persistente e falta de ar.
Ainda não se sabe ao certo se os cigarros eletrônicos causam câncer — um processo que pode levar décadas para se manifestar —, mas já se sabe que eles expõem os usuários a substâncias associadas ao aumento do risco de tumores.
Brett Poulin, professor de toxicologia ambiental na Universidade da Califórnia em Davis, analisou três marcas populares de vapes descartáveis e encontrou níveis elevados de níquel e antimônio — metais pesados relacionados ao câncer de pulmão. A equipe dele também detectou altas concentrações de chumbo, um elemento que pode causar danos ao sistema nervoso (neurotóxico).
Produtos químicos usados nos vapes com sabor, especialmente os descartáveis, também podem danificar as membranas das células, o que eleva o risco de lesões pulmonares, câncer e doenças cardíacas, alerta Stein.
Em casos raros, pacientes desenvolveram cicatrizes nos pulmões e dificuldades respiratórias conhecidas como “popcorn lung” (ou “pulmão de pipoca”, numa tradução literal) após inalar diacetil. As principais marcas de cigarros eletrônicos atualmente afirmam não usar a substância.
Em 2019, um surto de lesões pulmonares graves, incluindo 68 mortes, foi associado a vapes que continham acetato de vitamina E.
Boca
Assim como ocorre com os cigarros, sachês e outros produtos que contêm nicotina, os vapes eletrônicos também reduzem o fluxo de sangue para as gengivas, o que as torna mais vulneráveis a doenças e infecções.
Também podem ocorrer danos ao tecido gengival, de acordo com Rahman.
Cérebro
Pamela Ling, diretora do Centro de Pesquisa e Educação sobre Controle do Tabaco da Universidade da Califórnia em São Francisco, conta que já atendeu adolescentes que dormiam com o vape debaixo do travesseiro e tragavam logo ao acordar.
Pesquisas mostram que os cigarros eletrônicos são adictivos. A dependência é especialmente preocupante entre adolescentes, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento.
Programas de apoio e medicamentos usados no tratamento do tabagismo podem ajudar. Mas o processo pode ser bastante difícil, com sintomas de abstinência como depressão, ansiedade e irritabilidade.
Para piorar a situação, estão chegando ao mercado versões ainda mais adictivas, com concentrações mais altas de nicotina. Pamela conta que, nos EUA, é fácil de encontrar dispositivos que oferecem até 20 mil tragadas — o equivalente, em nicotina, a cerca de 100 maços de cigarro.
“Os novos produtos chegam ao mercado mais rápido do que a ciência consegue acompanhar”, afirma.
Fonte: Estadão – acesse aqui