Longa ‘Euforia’ é escolhido para cine debate de outubro

A edição de outubro do Cine Debate da Associação Paulista de Medicina ocorreu na última sexta-feira (21), com discussão sobre o longa ‘Euforia’

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A edição de outubro do Cine Debate da Associação Paulista de Medicina ocorreu na última sexta-feira (21), com discussão sobre o longa ‘Euforia’. O evento foi moderado por Wimer Bottura, psiquiatra, psicoterapeuta e coordenador do Cine Debate desde 1997, e teve como tema do debate “Quando a vida já não faz sentido”. Os debatedores convidados foram José Roberto Whitaker Penteado Filho, jornalista e professor, e Nielse Maluf, psicóloga.

Com direção e roteiro de Lisa Langseth, a obra apresenta a história de duas irmãs, Ines (Alicia Vikander) e Emilie (Eva Green), que vivem em desavenças. Após anos de afastamento, decidem realizar uma viagem em dupla à Europa e, seguindo por um destino misterioso, experimentam uma jornada de muita dor, sofrimento e belos momentos.

Liberdade de escolha

Whitaker foi o primeiro a expor suas considerações sobre o longa, contando que a obra gira em torno de duas importantes vertentes: euforia e morte. “Devo começar explicando o conceito de euforia. De início, podemos pensar que é uma palavra comum, mas em definições mais detalhadas, aparece como uma manifestação de distúrbio mental provocado por drogas. Podemos dizer que pessoas têm euforia em situações que não são exatamente engraçadas ou felizes.”

Já em relação à morte, o especialista ressaltou que é um assunto interessante, principalmente quando se pensa no fim nas mais diversas culturas. Na civilização ocidental, mecânica e prática, a morte geralmente é definida como a extensão, um freio em todas as funções orgânicas. “No momento em que o indivíduo deixa de exercer essas funções, é considerado morto. Pesquisei sobre os mais diferentes tipos de mortes existentes, e encontrei quatro mais comuns, sendo elas a morte natural, a acidental, o suicídio e a morte assistida, que é a que presenciamos na obra”, evidenciou o jornalista.

O debatedor também destacou que os assuntos abordados no filme são profundos e tocantes, e uma das primeiras coisas que lhe chamou a atenção foi a questão da liberdade de escolha. “De uma forma simplória, você não existe por vontade própria, toda a sua vida se resume a uma vontade de duas pessoas. Entretanto, uma vez que você começa a fazer parte deste mundo e os anos vão se passando, escolhas pessoais e individuais vão sendo tomadas. A obra aborda de uma forma muito delicada questões sobre a morte assistida, e a primeira coisa que é mencionada é a liberdade de escolher suas ações. Acredito que é um dos temas que precisamos levantar neste debate, até onde vai nossa liberdade de escolha? Algo que anda lado a lado com os nossos atos, e que só diz respeito a nós mesmos”, acrescentou.

Para ele, as irmãs se reencontraram muito cedo e de uma forma brutal, pois a mais velha (Emilie) havia tomado a decisão de morrer, informação que acabou surpreendendo a irmã, muito porque não estava preparada para aquele choque. “Para piorar a situação, Emilie apenas convida Ines para assistir seu fim, e acredito que seja um assunto muito sério para tratar. É válido, mas precisa ser explicado com cautela.”

Concluindo, o palestrante fala que basicamente o filme trata da percepção da morte assistida, que tem sido aceita no mundo há pouco tempo e em poucos países: “Para qualquer pessoa que tenha esse desejo e necessidade, há instituições que ajudam a conseguir seus objetivos de morte, o que ainda não é aceito socialmente, talvez porque lembre e traga a ideia de suicídio, condenado pela sociedade e religião”.

Vínculos e morte

Prosseguindo com as apresentações, Nielse Maluf disse achar fantástica a oportunidade oferecida pelo Cine Debate em apresentar diferentes aspectos sobre o mesmo assunto, algo que, para ela, é muito enriquecedor. “Logo que assisti ao filme, fiquei frustrada com algumas coisas, mas vi que é de uma beleza incrível, e me lembrei de uma fala de Chico Anysio, que costumava dizer que não sentia medo da morte, mas pena. No começo, achei que o filme não estava trazendo a dramaticidade que o tema pedia, mas logo vi que era uma falsa impressão. Também fiquei confusa com o nome, porque não imaginava que euforia era o termo correto para se falar de eutanásia e, ao final da obra, pude perceber que isso não importava, pois a obra é fantástica”, complementou.

A psicóloga também enfatizou que o filme traz a percepção de pessoas que decidiram fazer a eutanásia, suas razões e o porquê daquela ser a melhor decisão. “Volto para a vertente que o primeiro palestrante levantou. Sempre achamos que euforia é uma alegria, mas, na verdade, é algo sem fundamento, está ligado a um estímulo ou necessidade, que não está diretamente voltado à felicidade, sendo também definida como a capacidade de aguentar as mais diferentes situações da vida.”

Ela ainda salientou que todo o enredo e vida dos personagens traz essa ideia da capacidade de aguentar a vida que não foi vivida, de rever vínculos que foram cortados e de ter a certeza de que não há mais tempo de ressignificar determinadas coisas. “O drama que envolve a obra não é a morte, mas sim os relacionamentos entre os personagens, por isso, comecei a pensar sobre as teorias e estudos sobre o processo do morrer e cheguei a essa conclusão.”

A especialista concluiu dizendo que além de todo o contexto de morte, a obra também mostra que há momentos de aceitação entre os personagens. “Acredito que seja o instante em que finalmente uma das irmãs percebe que ambas tiveram uma história, momentos bons e períodos em que estiveram felizes. Acredito que aconteceu uma virada de percepção, e quando Ines se apronta para sua morte em paz, percebe que alguma coisa valeu a pena nos últimos momentos de sua vida, os momentos com sua irmã.”

Considerações

Ao final das apresentações iniciais, houve um tempo para debate. Nielse comentou que Emilie sentia a necessidade de responsabilizar alguém pela vida que não viveu. “Ao longo do filme, ela joga constantemente essa culpa na irmã, Ines, que encontrou saúde e felicidade após a ruptura de relação. Por mais que tenha dor nos encerramentos de ciclos/relacionamentos, também pode ser uma porta de saída.”

Bottura, por sua vez, ressaltou que a morte é um pedaço da vida, um pedaço final que pode chegar antes da hora ou quando a hora escolhida chegar, mas o fato em si é que nós temos a pulsão de vida, e não há morte se não houver a vida: “A única certeza que nós temos na vida é que estamos vivos até o dia de morrer. Quando Freud escreveu sobre isso, a média de vida era de 35 anos, e hoje as causas são as mais diversas, podendo ocorrer em qualquer idade”.

O moderador ainda acrescentou que existem mortes que fazem sentido. Apesar disso, contou que a morte precoce causa revolta. “Penso em quantos pais sofrem quando perdem um filho jovem e, quando são muito religiosos, normalmente se revoltam contra Deus, o que torna a situação ainda mais difícil. Também existem mortes que são passagens, um sopro, e precisamos aprender a lidar com isso.”

Fotos: Reprodução Cine Debate APM