Médicos reiteram posição contrária aos projetos de Reforma Tributária que aumentem tributos

Desde 2017, está em pauta uma possível Reforma Tributária no Brasil. Embora necessária, os moldes em que ela vem sendo pensada são prejudiciais, já que afetariam gravemente o setor de Serviços, responsável pela geração de mais de 70% de empregos em todo o País

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Desde 2017, está em pauta uma possível Reforma Tributária no Brasil. Embora necessária, os moldes em que ela vem sendo pensada são prejudiciais, já que afetariam gravemente o setor de Serviços, responsável pela geração de mais de 70% de empregos em todo o País. Os projetos apresentados aumentam a carga de impostos do segmento, contribuindo para a elevação das taxas de desemprego e trabalhos informais.

A Associação Paulista de Medicina se mantém ativa na luta contra a aprovação de qualquer proposta que venha a aumentar tributos e possam acarretar inevitável prejuízo para o atendimento dos pacientes – uma vez que a classe médica está inserida no setor de Serviços. Na última semana, por exemplo, o diretor de Defesa Profissional da APM, Marun David Cury, participou de reunião com a Associação Comercial de São Paulo sobre o tema.

As PECs 45/2019 e 110/2019 – que criam o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS) e até então estavam paralisadas no Congresso Nacional – voltaram a ganhar foco, à medida em que as políticas econômicas do atual Governo passaram a ser estabelecidas. Entretanto, a tendência é que ocorra uma série de distorções notáveis na distribuição de carga tributária sobre os Serviços, tendo um impacto negativo direto no sistema.

Para Francisco Balestrin, presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp), essas PECs não são boas, já que, além de serem totalmente complexas, não condizem com o intuito de uma reforma tributária que visa adotar um regime de não cumulatividade. No âmbito da Saúde, o problema é ainda mais grave, já que comprime a base de crédito e aumenta a carga do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) proposto pelas PECs.

De acordo com os especialistas, as melhorias no sistema tributário brasileiro – que já é totalmente complexo e burocrático – devem partir de uma reforma administrativa que busque beneficiar a população, e não por meio do aumento de impostos, cuja carga já é exorbitante.

“A alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) é altíssima. Esse imposto sobre o consumo acaba penalizando os mais pobres, já que praticamente tudo o que ganham vira consumo. Portanto, o IBS ou IVA é um imposto que concentra riqueza e quanto mais alto ele for, maior será o problema. Para que a Reforma Tributária atinja um de seus maiores objetivos – de minimizar desigualdades sociais – este valor deve ser menor. Isso só será possível se o País diminuir os gastos públicos. E esse caminho passa necessariamente pela reforma administrativa”, descreve Balestrin.

João Diniz, economista e presidente da Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse), explica que as propostas atuais de Reforma Tributária preveem o IVA com sistema de compensações de insumos. Entretanto, nos Serviços quase não há insumos para serem compensados, e o IVA presume a junção de PIS, Cofins, Imposto sobre Serviços (ISS), Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Com isso, as alíquotas máximas e mínimas, que atualmente estão em torno de 14,25% e 5,65%, passariam por um acréscimo entre 25% e 30%, de acordo com as previsões. “O principal interesse do Governo é arrecadatório, para sustentar uma carga tributária sobre o PIB de 33% – uma das maiores do mundo. É preciso arrecadar para sustentar uma máquina inflada, cara e ineficiente, que primeiro deveria ser diminuída por meio de uma reforma administrativa, para, depois sim, começar a ser analisado de forma adequada o que é preciso ser feito nesta arrecadação. É o mesmo que ocorre em um lar quando as contas não fecham, precisamos diminuir despesas já de cara e, se possível, aumentar as receitas”, explica. 

Diniz pontua também que, caso aprovada nos moldes atuais, a Reforma Tributária e o consequente aumento dos preços de Serviços não poderão ser absorvidos pela população. Neste cenário, a tendência é aumentar a inflação, quebrar empresas e, posteriormente, levar ao desemprego e aumentar a informalidade. “Inflação é comprovadamente uma catástrofe entre as classes mais vulneráveis, principalmente, e também para a Economia no geral, por conta de todos os prejuízos trazidos.”

Desde a Constituição de 1988, mais de 320 mil leis, instruções e normas tributárias foram editadas, conforme o levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). O órgão também indica que anualmente, empresas precisam gastar cerca de 2.600 horas para cumprirem suas obrigações com o Fisco, sendo o pior resultado entre 189 países.

Segundo Balestrin, dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) revelam que apenas na Saúde, hospitais, clínicas, laboratórios e outros serviços geram mais de 2,6 milhões de empregos diretos, além de outros 2,5 milhões de postos de trabalhos indiretos. Sendo assim, empresas que já atuam com margens de lucro baixas, encontrarão ainda mais dificuldades para continuarem com suas atividades, fazendo com que encerrem seus serviços, levando ao desemprego dos colaboradores.

“A proposta da PEC 45 aumentaria as mensalidades dos planos de saúde em aproximadamente 22%, o que pode expulsar cerca de 1,2 milhão de beneficiários desse sistema, levando-os ao SUS, sistema que está com seus recursos engessados. Não é admissível que haja transferência de carga tributária para um setor tão relevante para a sociedade brasileira, como a Saúde. É imperioso que a reforma aspire por isonomia entre os setores, sem perder de vista as suas diferenças e os impactos para a sociedade”, demonstra o presidente do Sindhosp.

Possibilidades

Para Marun Cury, é imprescindível que instituições e setores que tendem a ser afetados pela Reforma se unam, já que o projeto beneficia grandes indústrias, mas desfavorece prestadores de serviços e gera um cenário de inseguranças, principalmente à Saúde, que estaria frente a um impacto devastador em seu sistema.

Ele ainda salienta que a discussão com a sociedade deve ser ampla e inclusiva, de modo que a população também pode participar desta luta e se estabelecer contrária à atual Reforma Tributária, enviando cartas e e-mails aos parlamentares, cobrando posicionamentos e transparência nas informações.

Questionado se há algum modelo de Reforma Tributária que o Brasil possa se basear, Francisco Balestrin salientou a importância de considerar as particularidades que diferenciam as diferentes nações, como dimensão territorial e realidades socioeconômicas. Embora algumas pessoas defendam modelos adotados pela Índia, Canadá e Malásia, os resultados ainda são incertos e não há um modelo pronto. Contudo, para ele, a Austrália é um exemplo nesta discussão, não pela implementação, mas pela forma que conduziram diferentes discussões acerca do assunto, reunindo setores da Economia e níveis de governo em um profundo processo coletivo de cooperação – que seria fundamental para a elaboração da Reforma Tributária no Brasil.

“Somos um país com diferenças socioeconômicas, culturais e ambientais enormes, por isso, a maneira mais produtiva e segura para avançar com o tema seria, talvez, introduzir as mudanças de forma gradativa. Além de simplificar e desburocratizar o sistema, a reforma almejada precisa criar um ambiente de negócios que garanta segurança jurídica, favoreça o empreendedorismo e a competitividade, gere empregos, traga mais justiça social, não onere a carga para nenhum setor da economia, agrade a todos os entes federativos e que, enfim, possa levar o país ao tão desejado desenvolvimento socioeconômico”, complementa.

A APM é uma das organizações de liderança neste contexto, participando de uma série de iniciativas que corroboram para que não haja prejuízo à sociedade. Desde 2017, a Associação participou de diversas reuniões e promoveu debates e eventos sobre o tema, além de ter produzido muitos materiais informativos aos médicos.

A instituição entende que há um longo caminho a ser percorrido, mas está pronta para manter o papel de protagonismo contra uma pauta que, entre os tantos objetivos atuais, não busca fornecer apoio ou proteção a quem se doa inteiramente pela sociedade, os médicos.