“De médica à paciente”

Como o câncer de mama mudou a história de duas mulheres, que deixaram de atender para serem atendidas, colocando de lado – ainda que temporariamente – algo bem semelhante, o amor pela Medicina

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Duas vidas, duas médicas e o mesmo diagnóstico de câncer de mama – doença que afeta milhões de mulheres ao redor de todo mundo, todos os anos.  Fabiola La Torre e Cibele Cabogrosso Pedrozo estão entre elas que, no auge da profissão, receberam uma notícia que mudaria boa parte dos seus planos. Apesar do baque, ambas as histórias foram marcadas por determinação, resiliência e muita coragem, e servem de alerta e inspiração para tantas outras mulheres que estão passando pelo mesmo problema – ou ainda vão passar. Fato é que a forma de encarar uma doença – por pior que ela seja – varia muito de pessoa para pessoa e é preciso respeitar.

Em junho de 2016, a vida da médica intensivista pediátrica Fabiola La Torre tomou um rumo totalmente diferente com a confirmação do câncer de mama. “Sempre achei que este dia chegaria, porque minhas mamas são mais densas. Tanto é que comecei a fazer mamografia aos 35 anos. O meu diagnóstico veio aos 40 anos e, na minha cabeça, se descobrisse precocemente, ficaria curada. Por tudo isso não me abalei com a notícia, mas sabia que iria precisar de médicos e hospitais bons.”

Nesta época, Fabiola dava plantão na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e fazia coordenação de duas UTIs. Precisou pegar licença médica, mas seguiu auxiliando na gestão com a ajuda de colegas. “Quando tinha sessão de quimioterapia, passava o dia todo no hospital e no dia seguinte ficava debilitada, ruim por 48 horas. Ter câncer é muito difícil, porque até a rotina da família muda. É importante se tratar adequadamente e, no meu caso, o processo foi cirúrgico, com radioterapia e quimioterapia.” Ao todo, seu tratamento durou dois anos, mas até hoje ela toma medicação por precaução e continuará tomando até completar dez anos.

No início, a pediatra comparecia com frequência ao Oncologista e, hoje, suas idas ao especialista caíram para uma vez por ano. “Costumo dizer que o câncer é uma doença da família inteira, porque atinge todo mundo. O mais complicado de encarar é pensar nas pessoas que estão sofrendo por você. Minha família mora fora de São Paulo e, para mim, era pior saber como eles estavam se sentindo do que como eu estava realmente.”

Tudo o que a médica passou até então está reunido no livro “De médica a paciente – Como o câncer de mama mudou minha vida”, lançado por ela em 2017. “Esta publicação é um compilado a partir das postagens do meu blog e de alguns outros textos escritos por mim durante o meu tratamento. Faço desabafos e uma retrospectiva do que é viver uma luta contra o câncer.  Me transformei com o diagnóstico, além de mãe e médica, passei a ser também paciente. Você ter apoio sobre o que fazer durante o seu tratamento é muito importante, porque muita gente fala para não focar nisso ou naquilo, mas não dá”, continuou.

Fabiola lembrou que, apesar das dificuldades, sabia da existência de outros cânceres mais agressivos com metástase – que não era o caso dela. “O meu descobri bem no início e o tratamento foi totalmente direcionado para o acometimento do tumor. Desde que me formei, eu vivo com a resiliência das crianças. Elas, após a quimioterapia, têm mal-estar, mas continuam brincando. A inocência de não saber tudo faz com que elas se curem por esperança mesmo e por acreditarem também. Sempre digo que a gente precisa ter foco e fé.”

Para ela, a fase mais difícil do seu tratamento foi justamente o final. “Converso com muitas mulheres e todas falam a mesma coisa, porque parece que quando nós estamos fazendo quimioterapia, ficamos curada com o uso da medicação. Quando acaba é estranho, porque pior do que ter câncer é ele voltar. Hoje, oito anos após o meu diagnóstico, agradeço muito a Deus, aos médicos, aos profissionais da Saúde e a minha família. Recentemente, fiz ressonância magnética do corpo inteiro, porque sei que uma das possibilidades de metástase é óssea, e graças a Deus está tudo bem”, explicou.

A médica intensivista pediátrica compartilhou ainda que, um mês e meio depois de finalizar o seu tratamento, foi demitida dos hospitais em que trabalhava na época. “De repente você pensa que não pode ficar doente. As demissões foram muito difíceis para mim, o que reforça a tese de que nada é mais valioso do que a nossa família. A Medicina sempre foi tudo para mim e de repente te vira as costas. É aí que você começa a se achar culpada por tudo, o que não é correto. Depois do câncer, eu foquei mais no verdadeiro sentido da vida, que é o amor da família e dos amigos próximos. A gente não é imortal. Hoje, por exemplo, eu não saio de casa sem dar um beijo na minha família e no meu cachorro – é como se eu saísse e fosse realmente morrer todos os dias.”

O câncer, segundo ela, mexe com a autoestima das mulheres. “Para você ter ideia, eu passei o tratamento todo dormindo de peruca. Nunca ficava careca perto do meu filho, porque ele não queria me ver daquele jeito, justamente por achar que eu iria morrer. A única vez que dormi careca, acordei chorando – até então não tinha derramado uma lágrima.”

Cibele Cabogrosso Pedrozo passou por um sofrimento parecido. Há doze anos, a médica especializada em Clínica Médica recebeu o diagnóstico de câncer de mama – na época, aos 49 anos e no auge dos atendimentos. “Quando chega uma notícia como essa, a cabeça fica atordoada no início, a gente fica preocupada, claro, porque não pensamos no melhor e sempre nos casos mais graves. Fiquei chocada, surpresa e muito triste, mas esse sentimento passou rapidamente. Só pensava que eu tinha que partir para o tratamento logo em busca da cura.”

De acordo com ela, seu conhecimento na área médica influenciou muito a forma de encarar o tratamento. Contou que buscou estudar mais sobre o câncer de mama, assim como entender os tipos da doença e o tratamento, conforme o grau do câncer. “Isso fez com que as coisas ficassem mais fáceis para mim, porque confiava nos especialistas – mastologista e oncologista –, em Deus e na Ciência. Sempre procurei me pautar em Deus, que me ajudou muito nesta parte emocional.”

Para Cibele, a parte do tratamento mais desafiadora foi quando soube que precisava de quimioterapia. “Até a cirurgia foi tudo tranquilo, me recuperei bem. Depois, o que mais me impactou foi saber da necessidade da quimioterapia. Esta foi a parte mais delicada, mas depois que iniciei percebi que as coisas mudaram muito desde a época da faculdade. Jamais pensei em desistir, sempre procurei seguir todas as orientações médicas com muita fé. A cada sessão de quimioterapia, eu sabia que era para o meu bem, sempre disposta e animada. É lógico que durante este processo precisei deixar de trabalhar, ficando quatro meses afastada. No entanto, tive apoio importante da minha família, dos amigos próximos e até colegas de turma”, destacou.

Cibele acrescentou que conciliar o tratamento com a parte profissional é complicada, porque já está fragilizada com o diagnóstico e ainda tem pela frente a quimioterapia, o que não é fácil. “Fiz radioterapia e imunoterapia, e depois deste momento mais delicado, diminuí o ritmo do trabalho. Passei a atender só no período da tarde e foi tudo bem”, esclareceu.

A médica acredita que nesta vida nada é por acaso, e o câncer de mama mudou seu relacionamento com os pacientes, principalmente as mulheres que chegam em seu consultório com este diagnóstico. “Trabalho com Clínica Médica e Endocrinologia, e muitas mulheres que acompanho têm problemas hormonais, obesidade, diabetes e outras alterações. Quando elas me procuram, dou apoio e conto a minha história. Sou a prova de que tudo pode dar certo. Apoio muitas pacientes com orientação à imunoterapia, mioterapia, dietas e tratamento. Tudo o que fiz para mim, tento orientá-las com empatia sempre.”

A lição que fica, segundo ela, é que não devemos deixar de fazer o exame preventivo. “Sempre fiz exames anuais e tive meu diagnóstico muito precocemente no autoexame. Notei um nódulo pequeno e já fui procurar um especialista. Tudo o que faz e trata preventivamente, você acaba tendo um resultado melhor e fica mais próximo da cura. O conselho que dou para quem acaba de receber este diagnóstico é que tenha seu médico de confiança, confie nas pessoas, procure fazer seu melhor em relação à alimentação, atividade física, e faça corretamente o seu tratamento com muita fé e vontade de vencer. Eu segui corretamente todas as orientações dos médicos.”

Cibele pontuou ainda que, toda vez que receber uma notícia sobre alguma doença, você deve parar e pensar como foi sua vida até agora, e o que será daqui para frente. “Tenho 35 anos de formada e isso me dá um prazer enorme de continuar atendendo, mostrando à minha história para os meus pacientes. Meu objetivo é continuar trabalhando e mantendo uma qualidade de vida adequada. Estou com todos os exames em dia, graças a Deus estou muito bem.”

Câncer

Estimativas recentes do Instituto Nacional de Câncer (INCA) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostraram que o câncer de mama é o tipo mais comum entre as mulheres no Brasil e no mundo, depois do de pele não melanoma.

Existem diversos tipos de câncer de mama, com alguns evoluindo de forma mais rápida, enquanto outros de maneira mais lenta. Na maioria das situações, quando o diagnóstico é feito precocemente e o tratamento é adequado, as chances de sucesso são elevadas.

Segundo o INCA, 73.610 casos novos de câncer de mama estão previstos para cada ano do triênio 2023-2025. No Brasil, neste mesmo período, são esperados 704 mil casos novos da doença. O câncer de mama também acomete homens, porém é raro, representando menos de 1% do total de casos da doença. 

Texto: Alessandra Sales

Publicado na edição 746 da Revista da APM – set/out 2024