O diretor científico da Associação Médica Brasileira (AMB), José Eduardo Lutaif Dolci, deu início às discussões do painel “Ensino Médico” no segundo dia do Congresso de Medicina Geral da AMB, realizado em 25 de julho.
Além dele, estiverem presentes o diretor de Eventos da Associação Paulista de Medicina (APM) e 2º tesoureiro da AMB, Fernando Sabia Tallo, e a professora titular do curso de Medicina e diretora-geral da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), da Universidade do Distrito Federal, Viviane Cristina Uliana Peterle.
A qualidade do ensino médico no Brasil foi tema central das discussões promovidas durante o congresso. José Eduardo Lutaif Dolci iniciou sua apresentação com a pergunta “Qual é o futuro da Educação Médica?” e criticou a abertura indiscriminada de escolas de Medicina, iniciada com o programa Mais Médicos, alertando para os riscos de uma formação deficiente, que compromete a segurança dos pacientes.
Ele também citou a Demografia Médica no Brasil 2025, realizada em parceria com a Associação Médica Brasileira e com o Ministério da Saúde, que contribui para nortear a distribuição dos profissionais ao redor do País e, assim, orientar decisões e políticas públicas. “Hoje, são 448 escolas autorizadas e passamos na frente de outros países em número de médicos por habitantes. Em 2023, tínhamos 2,6 médicos por mil habitantes, hoje já são 2,9 médicos por mil habitantes. Estamos à frente do Canadá, Estados Unidos e Chile”, comentou.
Dolci ressaltou que, com quase 500 escolas de Medicina em funcionamento – juntas formam mais de 35 mil profissionais por ano –, a estimativa é que até 2035 o País tenha cerca de 1 milhão de médicos em atividade. “A abertura indiscriminada de escolas médicas no Brasil não segue um roteiro que respeita a qualificação da formação profissional, carece de fundamentação técnica e do conhecimento sobre a realidade do ensino médico e da assistência. Mais do que isso, passa à população uma ideia equivocada e perigosa de que aumentando o número de egressos dos cursos de Medicina traz uma boa e segura assistência médica aos cidadãos brasileiros”, explicou.
O diretor Científico da AMB defende a criação do exame de proficiência, similar ao aplicado por entidades como a OAB, como forma de garantir a qualidade dos profissionais formados. “Como já exposto, a proliferação indiscriminada e sem critérios de cursos de Medicina aponta para o agravamento das deficiências na formação médica e o impacto à segurança do paciente. Diante desse quadro de precariedade na formação de médicos, o modelo de avaliação de proficiência se mostra necessário à aferição da capacidade técnica, a fim de garantir a qualidade dos médicos ativos no País”, afirmou.
O médico reitera que a avaliação ao final do curso é ainda mais relevante, uma vez que erros de diagnóstico, de prescrição ou de conduta podem não só gerar custos sociais para os sistemas público e privado de Saúde, mas também causar danos irreversíveis aos pacientes e até mesmo levá-los à morte.
Dolci disse ainda que a residência médica não acompanha a graduação e cerca de 50% dos médicos não a realizam. “É de extrema importância pressionar os deputados e senadores para aprovarem o Exame de Proficiência.”
Processo de licenciamento da profissão médica no Brasil
Fernando Tallo, que também é membro titular da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), se aprofundou no tema e reforçou a necessidade de um sistema de licenciamento da profissão médica no Brasil, semelhante ao de países como China, Índia e Rússia.
Na ocasião, ele apresentou um panorama internacional dos processos de licenciamento e destacou que, ao contrário do Brasil, no qual o diploma permite automaticamente o exercício da profissão, em países como a China é obrigatório passar por uma prova nacional para obter o registro. “Na Índia, o sistema exige duas provas complementares, e na Rússia o processo é ainda mais restritivo”, revelou.
Para Tallo, o Brasil precisa seguir esse caminho. “Acho que é quase um consenso. Precisamos de uma prova de suficiência para o bem de todos os processos e, assim, construir uma prova de licenciatura no País. O licenciamento deve ser entendido como um instrumento de segurança pública em Saúde.”
Teste de Proficiência: enfoque no papel do professor
Viviane Cristina Uliana Peterle complementou o debate destacando que a discussão sobre o ensino médico deve ir além da expansão de vagas e incluir, de forma urgente, a qualidade da formação e seus reflexos na assistência à Saúde. “Os médicos que atuam como docentes ou supervisores clínicos têm responsabilidades adicionais. A seleção e a formação dos educadores devem refletir suas responsabilidades educacionais. Os educadores devem ser selecionados com critérios adequados e receber suporte contínuo. Além disso, acesso a desenvolvimento profissional financiado é essencial para o desempenho das funções educacionais”, pontuou.
Para a professora, enfrentar os desafios da formação médica no Brasil exige coragem para rever o modelo atual e assegurar que o futuro médico esteja preparado para atender as demandas da população.



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