O último dia da terceira edição do Congresso de Medicina Geral da Associação Médica Brasileira contemplou um painel sobre Inteligência Artificial na Medicina, coordenado por Antonio Carlos Endrigo, diretor de Previdência e Mutualismo da Associação Paulista de Medicina, com a participação de Enrico Stefano Suriano, diretor de Projetos da Comissão Especial de Médicos Jovens da APM, representando a Comissão Nacional de Médico Jovem da AMB.
A primeira palestra foi sobre “Inteligência Artificial Generativa na Saúde (além do ChatGPT)”, com Davi Ferreira Soares, neuroricurgião e engenheiro de IA na Voa Health. Ele começou trazendo os conceitos básicos, a exemplo da própria IA generativa, que é o ramo da Inteligência Artificial que se concentra no desenvolvimento de modelos capazes de criar conteúdo novo e original. “É um braço do deep learning, ou aprendizado profundo, que engloba áreas importantes como bioinformática e pesquisa e permite que tenhamos medicamentos chegando cada vez mais rápido, para doenças que a gente nem imaginava.”
Soares citou como exemplo a vacina da Covid-19 desenvolvida pela Pfizer/BioNTech, que pôde chegar tão rápido à população por ter utilizado inteligência artificial durante seu desenvolvimento, de forma que os estudos clínicos tiveram o tempo reduzido de 47 para 16 dias.
De acordo com o especialista, a IA tem um impacto imediato na Medicina, na gestão de tempo e na qualidade assistencial. “É possível automatizar tarefas que custam tempo para o médico, uma vez que até 50% do atendimento é gasto com documentação. Quanto menos tempo de olho na tela, mais tempo temos de olho no olho com o paciente”, completou.
Ele ainda sugeriu que os médicos tenham cuidado com as ferramentas de “prateleira” e ressaltou que é importante saber usá-las e entender qual o limite. “Quando o médico extrapola esse limite, está cometendo imprudência. A Inteligência Artificial é copiloto do médico, a decisão final é nossa.” Em relação à regulamentação, Davi Soares destacou o Projeto de Lei 2.338/23, que dispõe sobre o desenvolvimento, o fomento e o uso ético e responsável da inteligência artificial com base na centralidade da pessoa humana e atualmente aguarda votação na Câmara dos Deputados, após já ter sido aprovado no Senado.

Dados clínicos e ferramentas de suporte
A correlação entre eles e a Inteligência Artificial foi abordada por Paulo Salomão, fundador e CEO da DTO e conselheiro do HL7 Brasil. Além de destacar a importância de dados originais, e não já transformados, para a IA, o especialista apresentou o conceito de interoperabilidade, que é a capacidade de os sistemas trocarem informações, de forma que elas sejam úteis, e a diferença com a integração de sistemas – que consiste, principalmente, na quantidade de conectores necessários para essa comunicação e a possibilidade de armazenamento centralizado dos dados.
Salomão trouxe alguns dados interessantes, por exemplo a comparação entre o tempo que algumas das principais plataformas do mundo levaram para alcançar 100 milhões de usuário ativos mensalmente: 2 meses no caso do ChatGPT, 9 meses para o TikTok, 30 meses para o Instagram, 41 meses para o Pinterest, 55 meses para o Spotify, 61 meses para o Telegram e 70 meses para a Uber.
Mencionando alguns dos benefícios da Inteligência Artificial em relação aos dados clínicos, ele lembrou que ao aplicar ferramentas capazes de gerar um sumário clínico nos prontuários, por exemplo, é possível estabelecer perguntas sobre o paciente que sejam úteis para o médico, como se ele tem algum exame alterado, se existe interação medicamentosa, hipóteses diagnósticas, melhores condutas etc.

A última palestra do painel ficou a cargo de Matheus Feliciano da Costa Ferreira, médico especialista em Inteligência Artificial aplicada à Saúde e Educação. Com exemplos de IA na prática, ele mencionou por exemplo a melhoria na tomada de decisão e redução de erros. “Nos anos 1950, o conhecimento médico levava cerca de 50 anos para dobrar, em 1980, cerca de 7 anos, em 2010, o tempo era de 3 anos e meio, e agora, 73 dias. Por isso, ferramentas específicas, como o OpenEvidence, ajudam a fornecer acesso rápido e confiável à base de artigos médicos.”
Ferreira informou ser possível ainda criar e adaptar ferramentas para as necessidades específicas de cada médico e enfatizou a necessidade de anonimizar os dados dos pacientes. “Também não devemos usar as versões gratuitas, por conta da coleta de dados, e mesmo nas pagas, é preciso se atentar às configurações para não compartilhar os dados automaticamente.”
Entre os exemplos de IAs citados pelo especialista estavam a Voa Health, para transcrição de consultas; a NotebookLM, para resumo de documentos e artigos; a perplexity, para pesquisas em geral; o Claude, como alternativa de chat; e a Lovable, para construir aplicativos e sites. “O médico precisa ser muito consciente, não dá para achar que vai jogar o caso clínico no ChatGPT e obter um diagnóstico. E lembrem-se que a Inteligência Artificial que temos hoje é sempre a pior que teremos, já que os modelos estão melhorando muito rápido”, finalizou.

Enrico Suriano aproveitou o espaço para destacar a existência das Comissões de Médicos Jovens da APM e da AMB: “Queremos que saibam que existem estes grupos de atuação política para vocês, médicos jovens, voltados principalmente a desafios que não aparecem para médicos em outro momento da carreira. Existe esse espaço no associativismo agora, contem conosco.”
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