Na última quarta-feira, 13 de agosto, a Associação Paulista de Medicina deu continuidade à sua série de Webinars de 2025. As apresentações foram coordenadas por Álvaro Nagib Atallah, diretor de Economia Médica e Saúde Baseada em Evidências da APM, e moderadas por Marianne Nakai, diretora Científica adjunta da entidade, e Alex Gonçalves, vice-presidente da APM Piracicaba.



Abordando os temas “Reações Transfusionais e Indicação de Hemocomponentes” e “Gestão do Sangue Paciente”, as palestras foram divididas entre os especialistas Fabrício Biscaro Pereira, médico do Hemocentro da Unicamp e diretor das Unidades Externas, e Marcelo Addas Carvalho, também médico do Hemocentro da Unicamp e coordenador da Divisão de Hemoterapia.
Reações e indicações
Segundo Fabrício Pereira, a Hemoterapia permeia uma série de outras especialidades médicas – cirúrgicas ou não. Por este motivo, é fundamental entender os benefícios e os riscos atrelados ao manusear o sangue. “É um produto que pode salvar vidas, mas também não é tão inócuo assim.”
O especialista descreveu as reações transfusionais, no intuito de exemplificar o porquê de haver a necessidade de fazer um uso racional de sangue. “Existem as reações imediatas e as tardias, estas sendo motivo de preocupação por conta da transmissão de doenças infecciosas. No sangue, nós temos que ter um controle muito rigoroso para evitar tudo isso.”
Pereira também apresentou dados de um relatório divulgado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no último ano. “Oitenta e uma pessoas morreram por conta da transfusão e 651 tiveram complicações graves. No entanto, foram mais de três milhões de bolsas transfundidas, sendo que, destas, quase 2 milhões de concentrados de hemácias.”
Ele relembrou que existe uma série de orientações para realizar a transfusão de maneira mais cuidadosa, interrompendo o procedimento no indício de quaisquer reações adversas e pensando qual é o benefício que o paciente obterá, transfundindo sempre somente o necessário. Além disso, o palestrante salientou que dados históricos do Reino Unido e dos Estados Unidos demonstraram como foi possível reduzir o número de unidades transfundidas no decorrer dos anos.
“Com os avanços, esses países perceberam que a transfusão é um insumo muito caro. Quando vemos o custo da produção de uma bolsa de sangue, há toda a questão da triagem, captação do paciente e insumos para coletar essa bolsa. Depois, tem todos os testes aos quais ela é submetida e o armazenamento dos componentes, então, uma bolsa de sangue, hoje, é muito cara tanto para a saúde suplementar quanto para o Sistema Único de Saúde”, explicou.
Além de ser caro, o sangue também é um produto pouco disponível, já que não há um volume tão grande de doadores. A estimativa é de que, pelo menos 3% da população fosse doadora de sangue, mas no Brasil, esse índice fica entre 1,6% e 1,8%. “Temos um desabastecimento crônico, o que é muito angustiante para quem tem que distribuir o sangue para os diversos hospitais e serviços, todos com urgência e com a sua necessidade”, complementou, relembrando que concentrados de hemácias, plaquetas, plasma e crioprecipitado são alguns dos principais hemocomponentes disponíveis atualmente.

Gerenciamento
De acordo com Marcelo Addas, no mundo e, principalmente no Brasil, a questão do gerenciamento do sangue do paciente (do inglês patient blood management. ou somente PBM) surgiu muito por um movimento social, especialmente nos últimos cinco anos, quando houve uma redução no número de doações no período da pandemia de Covid-19.
“Há diversos desafios no sentido da implantação de estratégias, como baixa consciência dos profissionais da Saúde, excesso de valorização da questão da transfusão, falta de financiamento, ausência de conhecimento e formação, falta de discussões interdisciplinares, apego às antigas práticas e resistência às mudanças. Por outro lado, fatores aceleradores estimulam essa implantação, tais como geração de dados locais, perfil dos pacientes, discussão dentro da comunidade, estratégias educacionais e sensibilização dos médicos para entender que estratégias de gestão e PBM podem levar a uma melhoria da qualidade e dos resultados assistenciais”, demonstrou.
O médico relembrou que o gerenciamento do sangue é uma tomada de decisão completamente individualizada e centrada no paciente, de acordo com a sua demanda. “Isso é extremamente importante para a redução da necessidade de transfusão ou minimização do risco transfusional. Deve ser individualizada e o PBM está baseado nisso.”
Neste sentido, o gerenciamento do sangue do paciente é baseado em três pilares básicos. O primeiro deles está relacionado à detecção e gerenciamento da anemia e deficiência de ferro ou outras vitaminas; o segundo, é a minimização da perda sanguínea e a otimização da coagulação; e o terceiro, baseia-se na otimização da tolerância a partir de uma análise individualizada do paciente.
“É possível implantar essas estratégias estabelecendo comitês locais, sistematizando dados e qualificando, por meio de treinamento. Acompanhar essas medidas e avaliar, por meio de indicadores, o desempenho e o impacto desse programa, divulgando os resultados dentro da instituição hospitalar, também é extremamente importante”, argumentou.
Addas indicou que o país com a melhor experiência em programas de PBM é a Austrália, e que os índices apresentados entre 2008 e 2014 demonstraram que mais de 600 pacientes tratados no período tiveram uma redução significativa no número de transfusões e de 28% da mortalidade, o que totalizou mais de 80 milhões de dólares economizados.
“Além de ser um benefício para os pacientes e para o desempenho da assistência, também engloba um benefício financeiro. Eu acho que o PBM é importante, mas talvez todos esses resultados estejam associados a uma qualificação da assistência e não só uma questão da hemoterapia. Acredito que a implementação de estratégias de PBM é uma ferramenta que pode alavancar dentro das estruturas hospitalares uma qualificação na assistência de um modo geral, envolvendo todas as diferentes disciplinas na assistência”, concluiu.

Fotos: Reprodução Webinar