Fátima Cristina Mendes de Matos é a segunda mulher a assumir a Presidência da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP), biênio 2023–2025. Natural do Rio de Janeiro, é formada em Medicina pela Faculdade Souza Marques, com residência em Cirurgia Geral no Hospital Municipal Souza Aguiar (HMSA) e em Cirurgia de Cabeça e Pescoço no Instituto Nacional de Câncer (INCA).
No final da década de 1990, após concluir sua segunda residência, passou a exercer a especialidade em Pernambuco. Em 2006, concluiu doutorado em Clínica Cirúrgica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Com uma trajetória de quase três décadas dedicadas à Cirurgia de Cabeça e Pescoço, a médica conta que sua vocação para a Medicina surgiu ainda na infância. Aos seis anos, ela já dizia que queria ser pediatra, provavelmente pela admiração que tinha por sua médica na época. No entanto, na faculdade se apaixonou por Cirurgia e, enquanto residente de Cirurgia Geral, no Hospital Souza Aguiar, ela descobriu uma nova paixão pela Cirurgia Torácica.
“Foi quando resolvi ir para o INCA, motivada por um encontro com um amigo que estava fazendo residência em Cirurgia Pediátrica. Era o último dia de inscrição para residência, então fiz a prova, passei e fiquei muito feliz. Meu segundo rodízio era na Cirurgia de Cabeça e Pescoço, área que não tinha tido contato ainda e confesso que fiquei tensa. Cheguei no centro cirúrgico, entrei na sala e lá estavam dois R3 fazendo um esvaziamento cervical. Ali, me apaixonei perdidamente novamente”, recorda.
Apesar de tentar transferência, mesmo com o apoio do chefe do serviço, a especialista não conseguiu. Com Isso, fez o ano todo de Cirurgia Oncológica, passando pela Mastologia, Tórax e Pelve. “Nada mais me interessava. Quando acabava minha carga horária, corria para o ambulatório e salas de Cabeça e Pescoço (CP). No fim do mesmo ano, fiz minha inscrição, prova e entrevista e consegui”, explica.
Ao longo de sua formação, Fátima Matos enfrentou diversos desafios. Ela conta que veio de uma família simples de imigrantes que, apesar de não ter formação superior, sempre fez de tudo para investir em seus estudos. “Devo multo a essa insistência e a todas as renúncias deles. Precisei começar a dar estágios remunerados desde o segundo ano da faculdade para conseguir me manter”.
A cirurgiã ainda destaca que sempre teve a sorte de ter vários mentores que foram multo importantes em sua formação: “Muita gente que, literalmente, me pegou pela mão e, hoje, são amigos queridos por quem tenho muita gratidão. Nunca fiquei esperando nada cair do céu, porque sempre fui proativa e inquieta. Tive vários momentos desafiadores, muitas noites sem dormir e plantões em datas festivas, mas| segui firme meu propósito de ser uma profissional de excelência. Na época da residência em Cirurgia de Cabeça e Pescoço, poucas mulheres se formaram lá e era muito desafiador. Outro grande desafio foi fazer meu doutorado na FMUSP quando tentava me estabelecer em Recife”.
Mulheres na especialidade
Sua história na Medicina foi marcada por influências inspiradoras. Embora seja difícil citar todos os nomes, ela revela que teve multos mestres no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Instituto Nacional de Câncer e na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo que a inspiraram e foram fundamentais em sua carreira. “Também fui inspirada por amigos que fiz durante muitos anos de SBCCP e preciso citar Marla Paula Curado. Quando a vi, em um evento na FMUSP, pensei que gostaria de ser como ela quando crescesse”, afirma.
Apenas cerca de 20% dos cirurgiões de cabeça e pescoço no Brasil são mulheres. “Ainda somos alvo de comentários preconceituosos e muitas colocações inconvenientes. Acredito que ter sido uma líder que fez uma gestão bem ‘avassaladora’ ajudou muito as nossas especialistas a se inspirarem e se posicionarem. Durante a pandemia de Covid-19, criei o departamento feminino da SBCCP e fui alvo de inúmeras críticas. Não me importei nem um pouco com elas, porque conseguir criar um setor super ativo cientificamente, com discussões riquíssimas, mostrando o brilho deste grupo. E ter criado uma rede de apoio às cirurgiãs me fez muito feliz”, revela.
A especialista acompanhou transformações significativas na Cirurgia de Cabeça e Pescoço e explica que a tecnologia contribuiu muito para terapêuticas menos invasivas, assim como novas drogas, como os imunoterápicos e novas técnicas de radioterapia, que levam a menos efeitos colaterais, tornando os tratamentos mais efetivos e com menos morbidade. “Também ocorre uma preocupação maior com qualidade de vida e com a importância da multidisciplinaridade.”
Para o futuro da especialidade, ela acredita que os avanços tecnológicos e a aplicação da inteligência artificial trarão tratamentos ainda mais eficazes e personalizados. Considera que a Cirurgia de Cabeça e Pescoço continuará sendo desafiadora e tecnicamente exigente, mas cada vez mais orientada pela integração entre áreas oncológicas e pela empatia no cuidado com o paciente.
Futuro
Para os médicos jovens que desejam seguir na carreira, a cirurgiã aconselha que aproveitem intensamente a residência, participem das discussões clínicas, de cada tumor board – encontro que reúne especialistas em Oncologia е áreas relacionadas ao tratamento do câncer – e das cirurgias.
Incentiva ainda o envolvimento nas atividades gratuitas promovidas pela SBCCP e destaca que, a partir do último trimestre de 2025, a sociedade terá um novo curso gratuito de preparação para a RM e para a prova de título de especialista, com um programa cuidadosamente concebido para efetivamente contribuir. “Estudem, se dediquem, se envolvam nas atividades da especialidade e façam amigos durante a residência. Cuidem do paciente como gostariam que cuidassem de vocês mesmos”, aconselha.
“Quando penso nas realizações ou momentos mais significativos da minha carreira, certamente penso no meu Doutorado na FMUSP, porque foi um momento único. Além disso, ter sido eleita para a Presidência da SBCCP e ter conseguido, durante este período, tantas realizações para a especialidade está sendo maravilhoso. Considero que toda vez que sou chamada para participar de um evento, que um colega me liga para pedir uma ajuda ou uma opinião e eu consigo auxiliá-lo, bem como os estudos que tive a oportunidade de participar, são momentos que me trazem muita realização. Em 2020, antes de começar a pandemia de Covid-19, recebi juma homenagem dos colegas e amigos cirurgiões de Cabeça e Pescoço em Pernambuco, local que escolhi para viver, por todos| os anos de serviços prestados là população e confesso que foi muito emocionante”, conclui.
Matéria publicada na edição 751 (Julho/ Agosto de 2025) da Revista da APM
Fotos: Arquivo Pessoal