A sexta edição de 2025 do Cine Debate da Associação Paulista de Medicina ocorreu no último dia 10 de outubro, com a exibição do filme “Green Book – O Guia” (2018), dirigido por Peter Farrelly e estrelado pelos atores Viggo Mortensen (Tony Lip), Mahershala Ali (Don Shirley), Linda Cardellini (Dolores Venere), entre outros.
No longa, inspirado em uma história real, Tony Lip é contratado para ser motorista e segurança de Don Shirley, um renomado pianista negro, durante uma turnê pelo sul dos Estados Unidos nos anos de 1960. À medida que enfrentam o racismo e os perigos das estradas segregadas, nasce entre os dois uma improvável amizade, revelando lições de empatia, humanidade e transformação.
Com o tema “Quando dois extremos se atraem”, o debate contou com a participação do psiquiatra e coordenador do Cine Debate, Wimer Bottura Junior, e da psicóloga e especialista em Psicoterapia e Psicopedagogia da Infância e Adolescência, Maria Helena Melhado.

Análise dos especialistas
Maria Melhado iniciou sua fala destacando o prazer em participar, mais uma vez, do Cine Debate da APM. “Esta é uma obra muito interessante. Embora pareça muito leve, o enredo passa uma mensagem que nos convida a uma reflexão profunda. É um filme biográfico, idealizado em 2018 nos Estados Unidos, que mescla drama e comédia. Aborda o racismo e a segregação racial dos anos 1960 naquele país”, comentou.
Ela destacou que, apesar das críticas que recebeu, principalmente quanto à simplificação da problemática do racismo, dos conflitos e das injustiças decorrentes da forte segregação racial, “Green Book” ganhou três Oscars: melhor filme, melhor roteiro original e melhor ator coadjuvante.
“O longa propõe, sobretudo, uma reflexão sobre o tema. Retrata a turnê de um renomado pianista negro, de reconhecimento internacional, acompanhado por seu motorista e guarda-costas, que era preconceituoso, explosivo, com pouca escolaridade, mas extremamente dedicado e afetuoso com a família. Ele aceitou o emprego por necessidade, diante da falta de opção e do desemprego em que se encontrava”, acrescentou.
Para a psicóloga, Don Shirley era um homem sensível, culto, educável, elegante e de caráter. Era tratado de forma brutalmente excludente pela sociedade, o que lhe impunha uma profunda solidão. “Raramente ele demonstrava comportamentos impulsivos, porém, silenciava sua revolta e a raiva que sentia diante das humilhações, buscando preservar sua dignidade. Só reagia quando sua integridade estava em risco, o que lhe causava um sofrimento intenso e conflitos internos.”
Ainda em sua análise, Maria Melhado explicou que os personagens principais utilizavam o “Green Book”, um guia de viagem que indicava locais seguros para a permanência de pessoas negras na época. Complementou que o racismo, naquele contexto, se caracterizava especialmente por meio da restrição de acesso a locais públicos, como hotéis, restaurantes, transporte, escolas, clubes, ambientes de trabalho e até hospitais e igrejas. “Pessoas negras sofriam agressões e abusos físicos e psicológicos.”
O psiquiatra Wimer Bottura Junior trouxe uma reflexão essencial para o debate. “Por que as pessoas têm tanta raiva e rejeição uma das outras? Aí entra o conceito de ódio herdado. No filme, muitos funcionários apenas cumpriam ordens, sem comprometer a origem daquelas atitudes, apenas repetiam regras que aprenderam sem questioná-las”, esclareceu.
Bottura reiterou a importância de refletirmos sobre os nossos próprios preconceitos. “É fácil perceber o preconceito do outro, e o meu? O filme revela essa reflexão. Se nós conhecermos as pessoas profundamente, entenderemos que os motivos delas podem ser tão justos quanto os nossos. Isso permite nos aproximar e resolver conflitos. Green Book mostra essa evolução na relação de duas pessoas quase opostas que, ao longo da convivência, vão tirando suas máscaras e se transformando”, destacou.
O médico concluiu dizendo que o ódio, muitas vezes, é aprendido, herdado e terceirizado. “Vemos isso quando a mídia joga uns contra os outros, quando o discurso político-partidário alimenta a polarização. Precisamos ter filtros para não aceitar intrigas e ódios herdados.”


Texto e fotos: Alessandra Sales