Entrevista: Conscientização ambiental, um foco de Saúde

Presidente do Conselho Português para a Saúde e Meio Ambiente, Luís Manuel Barreto Campos reforça a importância da preservação do ecossistema

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O médico e presidente do Conselho Português para a Saúde e Meio Ambiente, Luís Manuel Barreto Campos, foi um dos palestrantes da primeira edição do Fórum Médicos pelo Meio Ambiente e pelo Clima, realizado pela Associação Paulista de Medicina no dia 23 de agosto. Em entrevista à Revista da APM, o especialista destaca de que modo a Saúde está diretamente envolvida com as questões ambientais, as principais diferenças entre Brasil e Portugal no aspecto climático, de que modo contribuir para a preservação e muito mais. Leia a seguir.

Qual é a importância de médicos e demais profissionais da Saúde estarem diretamente envolvidos com questões climáticas?
Nós, profissionais de Saúde, sabendo que as alterações ambientais estão evoluindo de acordo com os cenários globais mais pessimistas e já são responsáveis por uma em cada quatro mortes em nível mundial, temos a obrigação ética de nos comprometer com este desafio. Este envolvimento deve ocorrer não só nas organizações em que trabalhamos, mas também por meio da adoção de comportamentos exemplares, sustentáveis e amigos do ambiente. Precisamos fazer a nossa voz ser ouvida para afirmar que não estamos perante um problema exclusivo de ambientalistas ou jovens radicais, mas sim de uma crise que afeta a todos. A Organização Mundial da Saúde e diversas sociedades científicas de vários países já tomaram posição sobre a necessidade de envolvimento dos profissionais de Saúde nesta luta, inclusive, a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna foi pioneira, sendo a primeira do mundo a tomar uma posição pública e a emitir recomendações sobre este tema, em 2017.

Quais são as alterações ambientais com maior impacto na Saúde humana?
As alterações climáticas têm aumentado a ocorrência de catástrofes naturais como inundações, secas, incêndios e migrações forçadas. A subida do mar em 50 cm, prevista para 2050, poderá afetar regiões em que atualmente vivem 300 milhões de pessoas. Estima-se que 75% da superfície terrestre livre de gelo já foi significativamente alterada, que mais de 85% das zonas úmidas desapareceram e que um milhão de espécies esteja atualmente em risco de extinção. Nove em cada dez pessoas respiram ar com níveis de poluentes superiores aos limites recomendados pela OMS. O esgotamento dos recursos naturais, com especial destaque para a água, também é motivo de grave preocupação. O Brasil apresenta, pela primeira vez, zonas áridas que podem ser consideradas de deserto e a seca poderá afetar mais de 75% da população mundial até 2050.

Em sua opinião, há diferenças entre as mudanças climáticas na Europa e na América do Sul?
As consequências das alterações climáticas são semelhantes em ambos os continentes, mas diferentes na sua intensidade, tendo uma importante variação regional. O aquecimento na Europa tem sido mais rápido, com ondas de calor mais intensas e prolongadas. Os incêndios no Sul da Europa acontecem de forma mais incontrolável, a seca e a escassez hídrica têm se acentuado. O degelo alpino tem acelerado, gerando inundações inesperadas e aumentando o nível do mar, especialmente no Norte europeu. Na América Latina, o aquecimento tem sido mais forte nas áreas tropicais e subtropicais, mas também existe maior vulnerabilidade ao El Niño ou La Niña. Os extremos têm sido mais frequentes e intensos, como os furacões no Caribe e na América Central, assim como chuvas torrenciais e deslizamentos de terra. Há um degelo na região dos Andes, impactando diretamente no abastecimento de água de cidades como La Paz, Lima e Quito. E a rapidez do desmatamento na Amazônia, quer por incêndios florestais ou para dar lugar a terrenos agrícolas, tem sido dramática, calculando-se que, nos últimos 20 anos, a região tenha perdido mais de 54,2 milhões de hectares de floresta.

Existem doenças que têm maior prevalência por conta das alterações climáticas?
Destacam-se as cardiovasculares e as cerebrovasculares, respiratórias crônicas, alergias e cânceres. As alterações na ecologia dos vetores têm também contribuído para o aumento das doenças transmitidas por insetos e outros agentes, como malária, dengue, febre amarela, Zika vírus e encefalite japonesa, responsáveis por mais de 700 mil mortes por ano. As alterações climáticas, aliadas à desflorestação têm elevado significativamente o risco de zoonoses – doenças transmitidas de animais para humanos – como a salmonelose, o vírus do Nilo Ocidental, os coronavírus emergentes, a raiva, a brucelose e a doença de Lyme. Estima-se ainda que mais de cinco milhões de mortes por ano estejam associadas a temperaturas extremas. A poluição é reconhecida como o principal fator de risco para a mortalidade global e a cada ano, surgem novas evidências sobre o impacto sistêmico dos microplásticos na Saúde humana.

Como compara a forma que as mudanças climáticas afetam os pacientes em Portugal e no Brasil?
A epidemiologia das doenças e a intensidade das alterações climáticas são diferentes entre Portugal e Brasil. Destaca-se, em Portugal, um impacto significativo na mortalidade associada às ondas de calor, particularmente nas populações mais vulneráveis. Por outro lado, enquanto no Brasil as diferentes doenças transmitidas por vetores são endêmicas, em Portugal tem-se assistido à expansão dos vetores, com o Aedes albopictus, e a infecção por Dengue, com registro de surtos na Ilha da Madeira. As infecções associadas à qualidade da água ou à segurança alimentar têm menor impacto em Portugal. As diretivas europeias têm permitido alguma melhoria da qualidade do ar, enquanto em algumas cidades brasileiras, como em São Paulo, este é um problema grave, tendo esta cidade sido considerada, em 2024, a metrópole com pior qualidade de ar do mundo.

Quais são as medidas efetivas para a proteção contra as mudanças climáticas e para torná-las menos nocivas à Saúde?
Estas medidas são chamadas de ações de adaptação. Entre elas, está a importância dos municípios na implementação, seja na identificação das ilhas de calor, na promoção de estratégias de arrefecimento, na proteção das populações mais vulneráveis, na redução do desperdício de água, em uma gestão mais sustentável dos resíduos, no isolamento térmico das habitações, na promoção de saneamento básico e da qualidade da água, entre muitas outras.

Como tornar a Saúde um setor menos poluente e contribuir mais efetivamente para a preservação do meio ambiente?
O setor de Saúde, em nível global, contribui com 4,4% das emissões de gases de efeito estufa. Tal como em outras áreas, na Saúde devem ser implementadas medidas de mitigação que definam uma estratégia e adotem alternativas concretas, como a criação de serviços de sustentabilidade ambiental nos hospitais, revisão de leis obsoletas, introdução de critérios ambientais nos processos de compra e contratação, elaboração e implementação de orientações de sustentabilidade em todos os níveis do sistema e a aposta em energias renováveis. O sistema de Saúde deve, ainda, assumir metas definidas de descarbonização. A implementação da Telemedicina também permite reduzir significativamente os trajetos dos pacientes, além de ser mais conveniente e eficiente.

Face ao aumento do risco de catástrofes climáticas ou de uma nova pandemia, como o sistema de Saúde pode se preparar?
Preparar o sistema de Saúde para responder ao risco crescente de catástrofes climáticas ou de uma nova pandemia exige a existência de planos de emergência em todos os níveis, a construção de hospitais flexíveis e escaláveis, a otimização da comunicação e articulação entre os diversos níveis de cuidados e entre os setores público e privado, o desenvolvimento de sistemas de informação e comunicação robustos, e o reforço dos recursos humanos – com profissionais bem preparados – e das especialidades generalistas, como a Medicina Interna, que no Brasil é chamada de Clínica Médica, cuja polivalência é essencial em um cenário de incertezas.

De que maneira acha possível amplificar a conscientização de médicos e demais profissionais da Saúde sobre o clima e o meio ambiente?
Na realidade, é profundamente preocupante constatar a importância dos determinantes ambientais na Saúde da população e, ao mesmo tempo, a inércia na sua integração na formação dos profissionais. Em um inquérito que publicamos em 2024, realizado com 348 médicos das especialidades portuguesas que mais prescrevem inaladores, apenas 52% afirmaram ter conhecimento da pegada carbônica associada a esses fármacos. Os profissionais de Saúde têm que ser mais conscientes deste impacto. Como? Fazendo estudos sobre o grau de conhecimento da inter-relação entre Saúde e ambiente, introduzindo estes temas nas reuniões e congressos científicos, realizando cursos sobre esta temática e exercendo advocacia junto às escolas de formação.

Como nasceu e o que faz o Conselho Português para a Saúde Ambiente, do qual foi fundador e é o presidente?
Ele nasceu em outubro de 2022, com o objetivo de estabelecer uma rede colaborativa de organizações ligadas à Saúde, com vistas a minimizar o impacto das alterações ambientais na Saúde, sensibilizar o público e educar os profissionais, fomentar a investigação na área e ajudar o sistema a se preparar para a transição epidemiológica e para o aumento do risco de eventos extremos e inesperados. Acreditamos que estamos perante o desafio mais complexo do nosso tempo e, diante de tamanha complexidade, são necessárias soluções integradas. Foi por isso que optamos por congregar toda a diversidade de organizações relacionadas com a Saúde. Em menos de três anos, já reunimos mais de 100 associados e somos atualmente a aliança mais transversal na área da Saúde em Portugal. Temos também intervindo na discussão pública, publicando comunicados e estamos trabalhando com as sociedades científicas na elaboração e publicação de orientações de sustentabilidade ambiental em diferentes setores.

Texto publicado na edição 752 (set/out 2025) da Revista da APM