A Associação Paulista de Medicina realizou na última sexta-feira, 7 de novembro, a sétima edição de 2025 do Cine Debate, exibindo o longa “O Anjo Exterminador”, de 1962, com direção de Luís Buñuel, abordando o tema “As grades imaginárias que nos aprisionam”. A obra, que traz Silvia Piñal, Tito Junco e Enrique Rambal no elenco, foi debatida pelo psiquiatra e coordenador do Cine Debate, Wimer Bottura Junior, e pelo crítico, professor de cinema e cineasta Miguel Forlin.
O filme retrata a história de um grupo de pessoas que, após participar de um luxuoso jantar promovido na mansão aristocrática de um casal de burgueses, se vê preso à residência, sem nenhuma explicação plausível para isso. Com o passar do tempo e por conta do confinamento, não demora para que os indivíduos comecem a colapsar e apresentar os lados mais obscuros da fragilidade humana.
Interpretações
Em sua análise, Miguel Forlin recordou que Buñuel era pertencente ao Surrealismo, movimento artístico e político que queria não apenas revolucionar as artes, mas a sociedade humana como um todo, e que foi fortemente inspirado pela psicanálise no início do século XX. “Principalmente pela ideia do inconsciente, como algo que nós temos dentro da liberdade e do exercício da liberdade.”
Segundo o crítico, Luís Buñuel seria o primeiro a rir e descartar as interpretações acerca de “O Anjo Exterminador”. “Ele achava muito engraçadas todas as teorias que buscavam entender qual era o significado simbólico do urso, por exemplo, que aparece no filme. Alguns diziam que era o comunismo, representado pela União Soviética, espreitando o capitalismo, um fantasma aterrorizando e assustando. Ele dizia que era somente um urso que ele colocou no filme. Porque essa tentativa de explicar e dar significado a cada uma das coisas é contrária à atividade livre e caótica do inconsciente e ao espírito interior do próprio Surrealismo.”
Neste sentido, Forlin aproveitou para comentar três diferentes interpretações sobre a obra. “A primeira, que para mim parece ser a mais evidente, é de que o ser humano, quando está diante de situações em que seus limites são colocados à prova, deixa de lado rapidamente todo aquele verniz de civilização. É um filme relativamente curto e é interessante notar como não demora muito para que aquelas pessoas cheias de etiquetas, convenções e comportamentos posados comecem a ser comportar de uma maneira muito estranha.”
A segunda diz respeito a um ponto de vista mais ideológico e político. “Mesmo que não fosse a intenção do Buñuel, há um elemento político ali. Ele não só está mostrando seres humanos agindo de modo mais animalesco diante de uma situação limítrofe, como apresenta pessoas que vivem o seu dia a dia de acordo com uma etiqueta, com convenções. Há um forte elemento teatral na performance, eles posam o tempo todo uns para os outros, precisam fazer e dizer a coisa certa e se comportar de uma determinada maneira, porque é o que o outro espera. Uma vez que aquele verniz cai, nós percebemos que toda aquela alegria e amizade falsamente apresentadas eram, na verdade, uma fachada.”
Já a terceira interpretação, por sua vez, retrata o questionamento sobre o quão livre os indivíduos, de fato, são. “Se nós não somos livres totalmente, e eu acredito que a liberdade total e plena não existe, mas aqui é uma visão particular, o quão escravos nós somos de forças que estão além do nosso controle?” questionou. “É do próprio comportamento humano buscar uma razão para as coisas e não aceitar a ausência de sentido e de que as coisas simplesmente aconteçam porque elas acontecem. Nós precisamos de uma resposta, por exemplo, precisamos saber o porquê daquele urso.”
Para o crítico, a obra é fascinante e aberta a inúmeras interpretações diferentes. “O Anjo Exterminador é um daqueles filmes que são inesgotáveis, dando vasão a muitos estudos e textos críticos, e continuará dando, porque não existe em lugar nenhum algo dizendo que o filme se trata disso e daquilo especificamente. É algo que estará sempre aberto para discussões e interpretações, elas estão sendo feitas aqui, mas continuarão sendo feitas quando formos embora e os anos passarem, é inesgotável.”
Wimer Bottura complementou a exposição argumentando que o cinema trabalha muito com estereotipias – sejam elas de pessoas, classes ou instituições. No caso de “O Anjo Exterminador”, isso ocorre com a elite mexicana. “Ele nos mostra um diálogo quase que esquizofrênico, porque não tem sequência, as coisas não evoluem, são falas quase perdidas entre as pessoas, mostrando que é um grupo que não tem a mínima intimidade e que não trava relações profundas”, concluiu.
Texto e fotos: Julia Rohrer


