O novo Boletim Epidemiológico, divulgado no dia 10 de setembro pelo Ministério da Saúde, destaca a avaliação da implantação do Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Vigiagua) e do tratamento de água para consumo humano no Brasil em 2023.
Em 2010, o acesso à água potável e ao saneamento básico adequado foi considerado direito humano fundamental pela Assembleia-Geral das Nações Unidas (AGNU), sendo indispensável para o pleno gozo da vida e de outros direitos humano, além de também ser essencial para a redução da pobreza e para o desenvolvimento sustentável.
O direito à água potável compreende o acesso contínuo, seguro, suficiente e próximo ao local de consumo, sem riscos à saúde e a custos acessíveis. Esse direito foi incorporado aos compromissos da Organização das Nações Unidas (ONU), inicialmente nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e, posteriormente, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
No ODM 7, a meta era reduzir pela metade a população sem acesso à água potável e saneamento até 2015. O Brasil atingiu essa meta em 2012, com avanços significativos tanto no abastecimento de água quanto no esgotamento sanitário. Atualmente, o ODS 6 visa garantir água potável e saneamento seguro para todos até 2030.
Apesar dos avanços, a mortalidade por falta de saneamento permanece um problema na saúde pública, especialmente nas regiões mais pobres. Em 2020, o Nordeste registrou a maior taxa de mortes por serviços inadequados de água e saneamento, sendo 5,62 óbitos por 100 mil habitantes, enquanto a menor taxa foi observada na Região Sul (3,44 mortes por 100 mil habitantes). Idosos (60 anos ou mais) e crianças pequenas (0 a 4 anos) foram os grupos mais afetados, exigindo políticas públicas regionais mais eficazes.
Vigiagua
O Ministério da Saúde é responsável por estabelecer normas e fiscalizar a qualidade da água para consumo humano no Brasil, coordenando o Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água, em parceria com estados e municípios. O programa visa promover a saúde pública e prevenir doenças relacionadas à água, atuando de forma descentralizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O Vigiagua tem como objetivo promover a saúde e prevenir doenças e agravos de veiculação hídrica. Para isso, atua de forma integrada entre as três esferas (União, estados e municípios, além do Distrito Federal).
Entre as ações do programa estão o monitoramento da qualidade da água, a fiscalização dos prestadores de serviço e a inserção dos dados no Sisagua. Também são realizadas inspeções sanitárias e avaliações dos Planos de Segurança da Água, além de atuação em emergências e eventos de saúde pública.
Dados
O relatório sobre a Situação da Implementação do Vigiagua em 2023 revela avanços no registro de dados, mas também persistentes lacunas no monitoramento da qualidade da água.
A principal notícia positiva é a quase universalidade no cadastro de informações básicas. Em 2023, 98,46% dos municípios brasileiros dispunham de pelo menos uma forma de abastecimento de água cadastrada no Sisagua, uma leve melhora em relação a 2019.
Contudo, persistem disparidades regionais preocupantes. Enquanto o cenário nacional apresenta bons números, a análise por unidade da Federação mostra grandes falhas. O Acre se destaca negativamente, com 40,9% dos seus municípios sem informações sobre abastecimento no Sisagua. O Maranhão (16,6%) e o Piauí (8%) também merecem atenção.
O maior desafio, no entanto, está no cumprimento da Diretriz Nacional do Plano de Amostragem, que trata do monitoramento da qualidade da água. Os dados de 2023 indicam que uma parcela substancial dos municípios não realiza o número mínimo de análises exigidas.
Os parâmetros com pior desempenho foram Fluoreto, com 61,0% dos municípios realizando menos da metade das análises mínimas; e o Residual de Desinfetante, com 46,8%.
O cumprimento integral da Diretriz é baixo para todos os parâmetros, alcançando apenas 19,7% dos municípios para o Fluoreto e 22,7% para o Residual de Desinfetante, o que evidencia uma falha generalizada na vigilância ativa.
Regionalmente, a diferença também é grande. O Ceará liderou o cumprimento da Diretriz para Coliformes, Turbidez e Residual de Desinfetante, enquanto Sergipe para o Fluoreto. Por outro lado, estados como o Amapá apresentaram os menores percentuais de cumprimento para a maioria dos parâmetros (abaixo de 20%).
A situação do Fluoreto é particularmente preocupante em estados como Acre, Alagoas, Paraíba, Rondônia, Roraima e Pernambuco, uma vez que o percentual de cumprimento foi próximo de zero.
Em suma, embora a maioria dos municípios esteja registrada no Sisagua, uma grande parte do País ainda falha gravemente em monitorar e garantir a qualidade da água conforme as normas mínimas.
O panorama geral aponta para significativas disparidades regionais na vigilância e no tratamento da água no Brasil, destacando o desafio de garantir informações confiáveis e qualidade da água para mais de 51 milhões de pessoas. Isso exige investimentos urgentes em infraestrutura e monitoramento, bem como esforço integrado entre esferas de governo para que o Vigiagua cumpra seu papel estratégico na promoção da saúde pública.