O diretor de Tecnologia de Informação da Associação Paulista de Medicina, Julio Pereira, concedeu entrevista ao Sindicato dos Médicos de São Paulo (SIMESP) para falar sobre residência médica e burnout. Confira a matéria completa na íntegra:
O silêncio que adoece: 60% de médicos residentes em MFC apresentam sintomas de burnout. Situação alarmante em diferentes especialidades expõe crise na formação médica
A residência médica é uma etapa fundamental na formação dos profissionais de saúde, mas também um período de intensa pressão emocional, física e institucional — um ambiente que tem adoecido parte dos futuros especialistas no país. Estudo publicado em 2023 na Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade identificou que 60,17% dos residentes da especialidade apresentaram dois ou três critérios de burnout no segundo ano de residência, associando o adoecimento à sobrecarga de trabalho, falta de lazer e histórico psiquiátrico.
A situação de adoecimento psíquico não é diferente quando o recorte é regional. A pesquisa Prevalência de Burnout em Médicos Residentes, publicado em 2023 na revista Psicologia: Ciência e Profissão, avaliou médicos residentes do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) e revelou: 68,1% apresentavam alta exaustão emocional, 41,7% exibiam sinal de distanciamento e desgaste moderado ou alto — um dos principais indicadores de desgaste extremo — e 40,6% relataram sensação moderada ou alta de ineficácia profissional. A mesma pesquisa mostrou que 25,64% dos residentes se enquadravam nos critérios da síndrome de burnout (distúrbio emocional caracterizado por exaustão física e mental crônica, causada pelo estresse excessivo e prolongado no trabalho), evidenciando que a sobrecarga emocional não é pontual, mas um fenômeno estrutural na formação médica brasileira.
Outro estudo, publicado na Revista Residência Pediátrica, da Sociedade Brasileira de Pediatria de 2019, intitulado Frequência da Síndrome de Burnout em Médicos Residentes, avaliou médicos R3 em Medicina Intensiva Pediátrica no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e encontrou prevalências igualmente preocupantes: 27,3% apresentaram critérios compatíveis com burnout, 67% relataram alta exaustão emocional, 47% alta despersonalização (distanciamento afetivo/cinismo) e 53% baixa sensação de realização profissional. Entre os fatores que aumentaram o risco de adoecimento estavam ausência de tempo para lazern e presença de doença crônica.
Os dados reforçam que a rotina dos programas de residência é marcada por altas cargas de trabalho, plantões extenuantes, insegurança profissional, cobrança por desempenho e falta de acompanhamento psicológico — elementos que, em conjunto, criam um ambiente favorável ao adoecimento. Além da sobrecarga física e emocional, fatores institucionais como baixa remuneração e ausência de políticas estruturadas de cuidado intensificam a vulnerabilidade psíquica dos residentes.
Apesar de ser um problema antigo, falar sobre sofrimento psíquico entre médicos ainda é um tabu. “Durante muito tempo, prevaleceu a cultura de ‘aguentar sem reclamar”, reforçada pela naturalização de jornadas longas e pela estigmatização de profissionais que buscam ajuda. As novas gerações de médicos chegam com uma visão diferenciada sobre realização pessoal e profissional que bate de frente com o dia a dia de qualquer programa de residência. Precisamos pensar em como equilibrar estas distorções, se quisermos formar mais especialistas”, afirma o neurocirurgião Júlio Pereira em entrevista exclusiva ao Simesp.
A desistência de turmas inteiras, como ocorreu em 2022 no Programa de Ortopedia e Traumatologia da Unicamp, evidencia que o modelo atual de formação tem falhado em garantir condições seguras e saudáveis para os profissionais em formação.
Para o presidente do Simesp, Augusto Ribeiro, é urgente que governo, entidades de classe, universidades, categoria médica e estudantes de medicina unam-se para desenvolver iniciativas que cuidem da saúde mental dos residentes. “É imperativo que os programas de residência incluam apoio psicológico estruturado, supervisão adequada, limites reais para jornadas e ambientes que acolham a vulnerabilidade e não que a silenciem. As novas gerações de médicas e médicos estão chegando ao mercado com limites claros do que estão ou não dispostos a fazer para atuarem profissionalmente. Fazemos um enfrentamento real da situação ou vamos sofrer com falta de mão de obra especializada no país. Reconhecer o problema e falar sobre ele é o primeiro passo para reestruturar um modelo de formação que vem adoecendo seus futuros especialistas”, defende Ribeiro.
Fonte: SIMESP – acesse aqui