Legislação e regulamentação da Telemedicina em destaque no 2° dia do GS

Na última quarta-feira, 5 de outubro, a legislação e a regulamentação da Telemedicina no Brasil foram tema de conferência no 4° Global Summit Telemedicine & Digital Health. A moderação da mesa ficou a cargo de Sandra Franco, diretora Jurídica da Associação Brasileira CIO Saúde (ABCIS), com palestras de Donizzetti Giamberardino, Juliana Hasse e Renata Rothbarth.

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Na última quarta-feira, 5 de outubro, a legislação e a regulamentação da Telemedicina no Brasil foram tema de conferência no 4° Global Summit Telemedicine & Digital Health. A moderação da mesa ficou a cargo de Sandra Franco, diretora Jurídica da Associação Brasileira CIO Saúde (ABCIS), com palestras de Donizzetti Giamberardino, Juliana Hasse e Renata Rothbarth.

Donizzetti Giamberardino, conselheiro do Conselho Federal de Medicina, abriu a conferência, destacando que “a tecnologia está na sociedade, a revolução digital está na sociedade, e a Medicina pertence à sociedade, portanto ela é influenciada e tem que conviver com isso”. Nesse sentido, conceitos como Saúde 4.0, Inteligência Artificial e Big Data, bem como a Telemedicina, englobam essa discussão.

Ele apresentou resumidamente o histórico da regulamentação da Telemedicina. Em 2002, o CFM fez uma primeira normativa sobre o tema (Resolução n° 1.643/2002). Ela foi revogada e substituída pela Resolução n° 2.227/2018, que foi revogada depois de alguns dias. Durante a pandemia de Covid-19, houve várias legislações sobre o tema, como a Portaria n° 467/2020 do Ministério de Saúde. E neste ano, foi publicada a Resolução n° 2.314/2022.

De acordo com o palestrante, alguns desafios e oportunidades se apresentam no Brasil com relação à regulamentação da Telemedicina. Dentre os desafios, destaca a desigualdade, a dimensão continental do País e o acesso à internet. Por outo lado, as oportunidades que se apresentam são diversas: “A tecnologia vem para estender conhecimento e acesso, e nunca para substituir pessoas, então nós entendemos que essa tecnologia vem para racionalizar recursos”.

Para a boa prática da Telemedicina, Giamberardino afirmou que alguns princípios são importantes. Em primeiro lugar, a autonomia do médico e do paciente. “Ambos devem desejar e optar pela Telemedicina e, para isso, deve haver a formalidade do termo de consentimento. Essa formalidade é importante pelos limites eventuais que possa ter a Telemedicina, então isso é uma segurança jurídica.”

Esse aspecto é importante porque se articula com outros dois princípios da prática médica: a responsabilidade e a ética. Segundo o conselheiro do CFM, “os atendimentos por Telemedicina ou presenciais têm a mesma responsabilidade jurídica criminal e ética.” No que diz respeito à relação médico x paciente, é preciso que se desenvolva uma “empatia digital”, ou seja, os médicos precisam ser capacitados para a prática da Telemedicina, através de cursos e de uma telepropedêutica.

Requisitos

O princípio segurança, disse o especialista, deve seguir a linha de cuidado e da qualidade diagnóstica e terapêutica, bem como a segurança de dados e a remuneração. Além disso, para a prática da Telemedicina, a territorialidade é outro aspecto importante: “Hoje, exclusivamente para o exercício da Telemedicina, o médico só precisa estar inscrito em uns dos conselhos estaduais”.

Donizzetti Giamberardino ainda enfatizou que é a mesma Medicina e o mesmo código de ética. Por isso, sobre o uso do WhatsApp, reforça que é um meio de comunicação, e nunca um prontuário. O palestrante também pontuou que o Artigo n° 20 da Resolução define que “as especialidades, de acordo com suas características, devem e podem fazer resoluções complementares junto ao Conselho Federal de Medicina”.

Para uma prática segura da Telemedicina, ele disse que “é preciso uma plataforma com requisitos básicos, com certificado digital padrão ICP Brasil, além de utilizar uma estrutura ou plataforma de emissão de documentos e verificar se sua assinatura está valendo”. Além disso, com relação à segurança de dados, questões como a LGPD devem ser respeitadas.

Apesar dos avanços inerentes da Telemedicina, em diversos momentos ela não é recomendada. Emergências clínicas, gestantes de alto risco ou pacientes de hemodiálise são alguns dos exemplos. No que diz respeito ao ato médico por Telemedicina, orientou que em toda teleconsulta deve-se aplicar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, registrar em prontuário, assinar digitalmente e enviar um pequeno resumo da consulta desse paciente.

O palestrante finalizou com algumas considerações a respeito da Telemedicina, destacando que a tecnologia é complementar, e não impositiva. Além disso, não substitui a relação interpessoal e de confiança que se estabelece entre médico e paciente.

Solução de Saúde Digital

Na sequência, Juliana Hasse, presidente das Comissões Especiais de Direito Médico da OAB/SP, destacou como a Telemedicina pode ser entendida como uma solução de Saúde Digital. De acordo com a palestrante, “a Telemedicina sempre foi um tabu, cheia de ressalvas, medo e cuidado, e a preocupação do próprio médico do prejuízo do diagnóstico caso não houvesse a presença física”.

Com a chegada da pandemia de Covid-19, viu-se a necessidade de ter atendimento médico a distância e evitar ao máximo que as pessoas se deslocassem de suas casas, e consequentemente houve espaço para que a Telemedicina fosse realizada. Conforme ela relembrou, a Portaria n° 467/2020 foi uma alavanca para que a Telemedicina se realizasse e se estendesse. “Não só esse atendimento entre médico e paciente, mas também suporte a distância de profissionais de Saúde manejando equipamentos que não tinham treinamento”. 

A advogada destacou que, no processo de regulamentação definitiva, sempre se defendeu que se estabelecesse as partes legais através de uma norma, e deixasse a parte deontológica para que cada conselho cuidasse. “Não tem como tratar tudo em uma lei, mas era preciso que a gente conseguisse avançar em alguns pontos de legalidade, principalmente de segurança, como a LGPD.”

Diversos questionamentos foram surgindo nesse contexto, e o próprio cenário foi se autorregulando: “Hoje, nós temos uma resolução mais adequada, conforme o que se pratica. Claro que tem pontos que precisam ser muito bem definidos ainda, mas temos a questão dos princípios que têm de ser respeitados, a ênfase na questão da privacidade e proteção de dados, e devemos fazer com que isso prevaleça através de ferramentas adequadas”.

Para Juliana Hasse, existe necessidade de rápida evolução em diversas questões, uma vez que não se discute mais se a Telemedicina volta ou não. Nesse sentido, afirmou que as plataformas de atendimento, o prontuário eletrônico, maior proteção digital e atualização de contratos e termos de consentimento são alguns dos pontos importantes.

A Saúde, à medida em que vai se tornando mais digital, quebra o paradigma de que “isso vai substituir o médico, colocá-lo em risco. Ao contrário, é preciso entender que isso vai tornar mais eficaz e eficiente o atendimento, bem como reduzir custos”.

Sobre a Lei, a especialista destaca algumas peculiaridades, como a questão da segurança e sigilo. A LGPD destaca que os dados de Saúde são considerados dados pessoais sensíveis, portanto têm um rigor maior. Além disso, o termo de consentimento não pode ser algo genérico, deve ser específico para cada finalidade. Por fim, os honorários: o médico não deve cobrar menos por uma teleconsulta.

Sobre a gravação de consultas, ela não é obrigatória e, se gravada, deverá fazer parte do prontuário – com autorização prévia do paciente. A emissão de documentos médicos, como atestados e prescrições, deve constar no prontuário com assinatura digital e identificação do médico, dentre outros critérios que devem ser cumpridos. Por fim, complementou que a conduta do médico deve seguir os mesmos princípios dos atendimentos presenciais, pautando-se na Medicina Baseada em Evidências e elaborando protocolos clínicos consistentes.

Softwares médicos

A última palestrante da conferência foi Renata Rothbarth – Life Sciences, Digital Health and Healthcare Senior Associate do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados -, que abordou a regulação, oportunidades e desafios dos softwares médicos, que considera uma evolução da discussão sobre Telemedicina e Telessaúde no Brasil.

“Assim como a Telemedicina ensejou a necessidade de uma regulação específica, em razão dos aspectos práticos de se ter uma interação remota entre médicos profissionais de Saúde e pacientes, a Anvisa – que tem competência para regular medicamentos, produtos para a Saúde, cosméticos e de alguma forma serviços de interesse da Saúde – também olhou para o tema de softwares médicos”, iniciou.

A regulação que existia para a questão, de 2001 e baseada em uma resolução europeia de 1998, não era mais adequada para a realidade de produtos e softwares que existem hoje. Por isso, essa discussão torna-se importante “para continuarmos evoluindo nesse debate em benefício do paciente e do ecossistema, porque quanto mais digital for a Saúde, maior vai ser o uso desse tipo de produto e aplicativo” – disse a palestrante.

De acordo com ela, um software de Telemedicina não necessariamente vai ser considerado um software médico: “Um software de Medicina que é utilizado pura e simplesmente para a comunicação entre paciente e profissional de Saúde não se encaixa nessa categoria, porque não tem uma funcionalidade intrínseca à assistência. Por outro lado, se eu adiciono uma funcionalidade de triagem personalizada, se pergunto para aquele paciente quais sintomas, há quanto tempo está sentindo, quais os medicamentos e começo a sugerir para o médico possíveis diagnósticos, há uma aproximação com a definição de software médico”.

Conforme informa a advogada, a Anvisa tem analisado caso a caso, uma vez que esse debate ainda é muito novo. E analisa três aspectos: qualidade, segurança e eficácia. “A única regulação que se tem sobre softwares, que é de abril de 2022, trouxe uma possibilidade importante para as empresas. No caso em que você desenvolve um software para uso próprio, a depender da situação, pode ser que não precise regularizar aquele produto perante a Anvisa.”

Por fim, Renata Rothbarth afirmou que um dos pontos fundamentais dessa discussão é a democratização do acesso aos produtos “através da criação de incentivo para a adoção de aplicativos seguros e validados e, principalmente, da implementação disso nos sistemas público e privado”.

Fotos: BBustos Fotografia