Com o auditório cheio, a última edição de 2025 do Cine Debate da Associação Paulista de Medicina foi um grande sucesso. A exibição do filme sueco “Persona” (1966), do diretor Ingmar Bergman, proporcionou análises voltadas ao tema “o difícil convívio com o silêncio”, feitas por Marco Antônio de Oliveira, sociólogo e psicanalista; Clara Nigri, psicóloga e psicoterapeuta; e Wimer Bottura Junio, psiquiatra e coordenador do Cine Debate.
O enredo conta a história de Elizabeth (Liv Ullmann), uma atriz de teatro que deixa de falar completamente após uma apresentação. Ela é internada e fica sob responsabilidade da enfermeira Alma (Bibi Andersson). Após ser constatado que a mudez não tem causas clínicas, as duas se hospedam, juntas, em uma casa de praia isolada, em que Alma passa a confessar os seus maiores segredos à Elizabeth, o que as leva a uma relação conflituosa.
Perspectivas
Para Marco Antônio de Oliveira, por meio deste filme é possível conhecer Ingmar Bergman e compreender uma série de questões relacionadas à vida do diretor. Segundo o psicanalista, Persona é a maneira de Bergman mostrar aos espectadores que o que ele faz é cinema.
“Um ponto chave nessa história é o momento em que Alma quebra a confiança de Elizabeth lendo a carta que ela enviou à médica. Mas Elizabeth já tinha quebrado a confiança de Alma também, ao contar à doutora coisas íntimas que lhe haviam sido reveladas, portanto, há aí uma quebra mútua de confiança. Nesse episódio, Bergman começa a misturar as duas personagens, elas se fundem em uma só”, comentou.
Oliveira recordou que o diretor tinha um método comum a escritores, que era o de levar um bloquinho de anotações com ele a todos os lugares. Assim, escrevia à mão tudo o que via, como pessoas, fisionomia, nomes, imagens e possíveis títulos. Depois de apresentar os pontos principais, ia construindo o restante da história.
“Ele fazia isso, juntava um dado com o outro e dizia ‘será que eles dão uma liga?’. Ia criando metáforas, metonímias, oposições, superposições, com essa proliferação, esse conjunto grande de dados desconexos, ele fazia um exercício de lógica, de construção de uma história a partir dos fragmentos que ele conseguia reunir. Muito provavelmente, essa história foi produzida assim, com pedaços que foram sendo reunidos”, destacou.
Perguntas e respostas
Segundo Clara Nigri, Persona é um filme que sempre trará mais perguntas do que respostas. “Há muitas questões nesta obra que nos levam a refletir sobre o nosso dia a dia, o trabalho, as pessoas, as relações pessoais e como cada tema envolvido nele faz parte da vida. Ele fala sobre maternidade, dificuldades, rejeição, projeção, são vários temas. E eu acho que a cada vez que nós o assistimos, notamos diferentes contextos e interpretações e acabamos repensando o que havíamos pensado anteriormente sobre ele.”
Do ponto de vista da psicóloga, a personagem Elizabeth se consolida como alguém que está interpretando o tempo todo e no momento de ser ela mesma, há o silêncio – mas de uma forma em que a falta de palavras se torna permitida, validada e real. Já Alma simboliza alguém que nunca teve outra pessoa para escutá-la, como a própria personagem reforça no decorrer do filme ao confidenciar segredos que, segundo ela, não imaginava que pudesse revelá-los.
“Eu vejo que nós temos mais perguntas do que respostas com um filme tão denso, com tanto conteúdo a se refletir. Não tem uma única resposta e eu imagino que assistindo o filme mais uma vez daqui 15 dias, um mês ou daqui a algum tempo, teremos outras respostas para o mesmo contexto. Veremos as coisas diferentes, porque a nossa experiência de vida também nos faz interpretar em diferentes momentos a mesma situação”, refletiu.
Incômodo do silêncio
Wimer Bottura destacou que o convívio com o silêncio é intrigante, provocante e incômodo. Para ele, o filme oferece diversas interpretações a cada vez que é assistido e, desta vez, uma delas está relacionada ao fato de que talvez Elizabeth não exista e seja, na realidade, um delírio de Alma traduzindo o sentimento de culpa que aflige a personagem.
“É um delírio da Alma, que imagina tudo isso dentro de si e constrói toda essa história. Ela entra no sentimento de culpa brutal e delira, cria um personagem, tanto que algumas vezes se funde e cria essa sensação de que a Elizabeth não existe. Essa fusão das imagens, como se fosse a mesma pessoa, mostra que a Elizabeth era uma criação, na verdade”, concluiu.
Texto e fotos: Julia Rohrer



