Madalena Patrício – Ainda há muito o que se fazer na educação médica

Para a professora da Universidade de Lisboa, é preciso sintonizar as prioridades do ensino e dos sistemas de saúde

Entrevistas

Doutora em Ciências e Tecnologias da Saúde, com especialidade em Educação e Comunicação em Ciências da Saúde, docente da Universidade de Lisboa e presidente ex-officio da AMEE (International Association for Medical Education), Madalena Folque Patrício participou do 10º Congresso Paulista de Educação Médica, realizado na Famema em maio. Em suas palestras, abordou os temas “Aprendendo Medicina Hoje”, “Desafios na Pesquisa em Educação Médica” e “Acreditação nas Escolas Médicas”. A seguir, em entrevista exclusiva à Revista da APM, ela fala sobre a formação médica em Portugal, na Europa e no mundo, avaliações etc.

Quais os principais desafios, em nível internacional, da Educação Médica?

Entre os cinco maiores desafios situa-se o da globalização, com a abolição das fronteiras e circulação de médicos, docentes e discentes, com novas oportunidades. Novas abordagens no ensino médico, na aprendizagem e na avaliação (determinadas pela explosão do conhecimento e tecnologias, pela nova forma de viver e de atuar dos pacientes, que têm hoje direitos e expectativas diferentes, bem como pelos alunos que chegam hoje à universidade), a mudança para uma educação baseada na evidência em vez de baseada na opinião, maior responsabilização das escolas médicas e, por último, a necessidade de alinhar e colocar em melhor sintonia as prioridades da educação e dos sistemas de saúde são os outros grandes desafios que a educação médica enfrenta atualmente.

A comunidade europeia possui diretrizes sobre a formação médica? Como é a educação, de forma geral, no continente?

A diretiva europeia de 1988, revista em 2013, centra sobretudo no tempo de duração dos currículos, o que para mim não faz qualquer sentido. Não é por ser cinco ou seis Julho de 2016 | 23 anos de curso que formo um bom médico, é porque tenho um padrão x. O essencial é que as diretrizes focassem essencialmente sobre o que tem que ser o médico quando acaba sua graduação, os conhecimentos centrais que ele tem que possuir para adquirir esse nível de excelência e partir para um nível superior, a especialização, ao invés de ficar agarrado só ao tempo de formação.

Como funciona a graduação em Portugal? Como é o panorama da formação no país?

Antigamente, tínhamos seis anos de curso teórico e prático, com imensos blocos e estágios dos alunos, mas tivemos uma reforma, em 2007, com a qual o sexto ano passou a ser profissionalizante nas Enfermarias, em rotação. Os alunos fazem especialidades, umas maiores e outras mais curtas, consoante à importância das diversas valências. A condensação do curso teórico de seis para cinco anos vai provar que facilmente incluímos coisas a mais, que não são essenciais, e que os alunos depois esquecem. E aqueles que forem fazer aquela especialidade, que precisem de mais conhecimento, podem sempre buscá- lo. Agora, toda a estrutura da parte do internato está para mudar e muito em breve penso que também teremos um exame de acesso à especialização diferente, porque atualmente incide sobre o livro Harrison, e os alunos sempre que podem fogem dos estágios e pedem para estudar. Há muito a fazer ainda.

Novas abordagens no aprendizado da Medicina e na avaliação são determinadas pela explosão do conhecimento, da tecnologia, pela forma de atuar

Em que medida  maus preceptores podem prejudicar a formação dos médicos? Acredita que este é um ponto importante a ser levado em conta?

Se eu tiver que escolher entre uma escola com mau currículo ou com maus docentes eu escolho a com mau currículo. Se temos um mau professor, temos que investir tudo o que pudermos para facilitar a sua transformação. Eu assisti a isso em minha escola, com muitos. O desenvolvimento curricular é importantíssimo, mas mais ainda o desenvolvimento dos docentes.

Qual a importância que atribui à formação humanitária dos profissionais, além da parte técnica?

Dizia o professor Abel Salazar, da Universidade do Porto, que o médico que só sabe de Medicina nem Medicina sabe. Acho que se não dermos à Medicina toda essa parte humana, não conseguiremos ter médicos capazes de corresponder aos desafios de um cidadão global. Se olharmos para a quantidade de pacientes que estão trocando a Medicina tradicional para técnicas alternativas, perceberemos que a Medicina tradicional está sem tempo para ouvir as pessoas. Às vezes, nem sequer é o médico, são outros profissionais que entrevistam o doente, organizam tudo e, de repente, o médico chega e ao final de 19 segundos termina a consulta. O Lancet Report de 2010 falou de uma terceira dimensão do ensino, transformativo, para criar líderes iluminados capazes de transformar a sociedade. Os médicos têm status e poder na sociedade, que os permitem fazer isso.

Aqui em São Paulo, temos há 11 anos o exame do Conselho Regional de Medicina (Cremesp) avaliando os egressos das faculdades. Agora, teremos a Anasem, avaliação seriada nacional no 2º, 4º, e 6º ano. Acredita que este é um bom modelo para qualificação?

As escolas têm que investir e tentar avaliar aptidões, atitudes etc. É preciso testar a habilidade crítica dos médicos recém-formados, aquilo em que ele se envolveu, sua capacidade de iniciativa. Hoje em dia só são avaliados os conhecimentos, mesmo que haja testes que conseguem medir a resolução de problemas, por exemplo. Ao meu ver, ficar só com a avaliação em testes, exames escritos etc., qualquer que seja o nível das perguntas, não é suficiente. Nós ainda precisamos fazer um enorme percurso de mudança, em Portugal e em muitos outros países.

Há avaliações semelhantes à Anasem brasileira na Europa?

Atualmente, há apenas um exame cognitivo para a entrada na prática tutorada, que corresponde à residência médica no Brasil. Nos 47 países que aderiram ao Processo de Bolonha (reforma do ensino superior europeu assinada em 1999), há sempre uma prática tutorada. Mas a avaliação não é suficiente e vai ser mudada.

Por: Welligton Menon
Publicado na Revista da APM – Edição 679 – Julho 2016