Webinar da APM aborda currículo médico

Na última quarta-feira, 28 de setembro, a Associação Paulista de Medicina promoveu mais uma edição de seu Webinar, trazendo o currículo médico como tema central de discussão

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A pandemia de Covid-19 foi ponto de partida para muitas mudanças na Medicina. Por isso, entender as necessidades do setor e de que maneira ele vem se adaptando a esta nova realidade é fundamental para possibilitar transformações adequadas, que atendam às demandas não apenas dos profissionais que já estão no mercado, mas também dos futuros médicos.

Desta maneira, na última quarta-feira, 28 de setembro, a Associação Paulista de Medicina promoveu mais uma edição de seu Webinar, trazendo o currículo médico como tema central de discussão. Apresentado pelo presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, o evento teve como moderadores os diretores Científico e de Economia Médica e Saúde Baseada em Evidências da instituição, Paulo Pêgo e Álvaro Atallah, respectivamente.

As palestras foram divididas entre os especialistas Milton Arruda, professor Titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP e diretor da Divisão de Clínica Geral do Hospital das Clínicas de São Paulo, e Edmund Chada Baracat, professor Titular de Ginecologia da FMUSP e professor Emérito da Escola Paulista de Medicina/Unifesp.

Rumos da Medicina

A primeira apresentação foi realizada por Milton Arruda, com o tema “Onde estamos?”, a fim de evidenciar os rumos que a Medicina vem seguindo no Brasil. Ele relembrou que, nos últimos anos, houve uma expansão abrangente no número de cursos de Medicina ao redor do País. Atualmente, eles ultrapassam a marca de 350, com 35 mil vagas. Todavia, de acordo com o Censo da Educação Superior do Ministério da Educação, de 2020, havia 41.767 alunos no primeiro ano de Medicina, destacando que há um número muito maior de calouros em relação às vagas aprovadas.

“A expansão dos cursos de Medicina foi muito maior para os que estão inseridos em instituições privadas. Dados do Conselho Federal de Medicina demonstram que 69% dos cursos médicos hoje no Brasil são privados, e o desafio de dar um ensino de qualidade é o mesmo para todos. No entanto, o problema de haver um predomínio de cursos particulares é que o acesso a eles está cada vez mais limitado e prioritário para pessoas que têm condições de pagar as mensalidades, que estão em uma média acima de R$ 8 mil”, enfatizou o palestrante.

Neste sentido, é importante relembrar que, para assegurar uma qualidade na formação, os profissionais entendem que não há a necessidade de abrir mais cursos de Medicina, mas sim aprimorar os que já existem. As avaliações externa e da qualidade são fundamentais, e ambas podem ser observadas em países de primeiro mundo – que, além disso, também realizam a acreditação dos cursos. Ainda, muitos desses países têm exames aplicados aos estudantes, seja durante a graduação, ao final dela ou em ambos os contextos.

Para Arruda, é preciso dar foco no ensino àquilo que é essencial, para que os alunos possam aprender mais. As atuais diretrizes curriculares existentes no Brasil visam formar um médico generalista, crítico e reflexivo em todos os níveis de atenção, com formação técnica e humana, o que é indispensável. Não obstante, é necessário olhar para diretrizes internacionais a fim de expandir o conhecimento – por exemplo as diretrizes canadenses e inglesas.

Os canadenses formam o medical expert, especialista em Medicina com conhecimentos sólidos. “Este médico tem que ter um conjunto de competências, sendo um comunicador, colaborador e sabendo fazer a gestão dos pacientes a ele atribuídos. Ele precisa ser um defensor da Saúde e da Ciência, um acadêmico, fazendo a sua prática baseada em evidências e se atualizando continuamente, agindo com os valores da profissão e com ética. Eu complementaria com as diretrizes do Reino Unido, advindas do General Medical Council, que acrescentam algo muito importante na educação contemporânea, que é colocar o paciente como a competência central do médico, enfatizando a sua segurança”, opinou o especialista.

O palestrante destaca que fica evidente que o ensino deve continuar sendo hipocrático, colocando o paciente como centro, fornecendo supervisão adequada e garantindo a sua autonomia e segurança. O médico relembrou ainda que a Medicina é aprendida na prática, dentro dos ambulatórios, centros cirúrgicos, UTIs, nas unidades básicas, na emergência e na beira do leito, de modo que paciente deve ser prioritariamente o foco da formação.

Neste cenário, entram também os professores de Medicina, que acabam não tendo a formação pedagógica necessária – sendo este um dos principais desafios. Arruda indicou que as competências de um professor de Medicina acabam não sendo as mesmas de um médico, pois existem saberes muito diferentes, portanto, é preciso que os projetos pedagógicos sejam inovadores e corroborem para a formação efetiva de novos profissionais.

“Se eu tivesse recursos suficientes, investiria na formação de professores e no aperfeiçoamento da avaliação de alunos. Precisamos de sistemas de avaliação integrados, que analisem conhecimentos, habilidades e atitudes através de metodologias ativas de ensino e aprendizagem. É necessário dar suporte ao estudante e à sua saúde mental. A formação científica deve ser muito importante, levando em conta as melhores evidências existentes e focando no desenvolvimento sustentável. O médico tem que ser formado com essa perspectiva, por meio da humanidade, ética e responsabilidade social”, complementou.

Perspectivas

Em seguida, Edmund Baracat apresentou o tema “Para onde vamos?”. O especialista recordou que o século XXI trouxe uma série de avanços na Educação Superior, no Brasil e no mundo, de modo que o currículo dos cursos de graduação em Medicina sofreu importantes mudanças em suas estratégias educacionais – por exemplo, na incorporação de novas tecnologias e ferramentas de ensino, na inovação e no empreendedorismo, auxiliando para a valorização de competências.

Antigamente, os cursos de Medicina eram divididos em três ciclos. O básico, para primeiro e segundo ano; o clínico, entre o terceiro e quarto ano; e o internato, para os dois últimos anos. No entanto, isso já foi remodelado por diversos professores, e atualmente o foco do ensino vem sendo na importância de se tratar pacientes à beira do leito, mesmo diante de todos os novos conceitos, tecnologias e modernas ferramentas de ensino incorporadas. Estas são maneiras de valorizar e respeitar a relação multi e interprofissional dos futuros profissionais.

Acompanhando as inúmeras transformações que ocorreram no mundo nos últimos tempos, o curso de graduação da FMUSP passou por importantes mudanças que buscaram ouvir os anseios de seus estudantes, de modo que todos participaram de forma ativa, contribuindo para o avanço.

Por exemplo, houve uma redução na carga horária de aulas teóricas, para que os alunos pudessem ter tempo livre para a prática de atividades extracurriculares, além do incremento do tempo destinado às atividades práticas e à interação docente-estudante, que contribuiu para identificar os determinantes sociais, culturais e econômicos de Saúde – ressaltando que o processo de construção do currículo médico deve ser dinâmico e contínuo.

“Princípios gerais foram aprovados na FMUSP, contando com a participação de outros institutos da Universidade, como o de Ciências Biomédicas, Biociências e Química. Destaca-se que o estudante deveria desenvolver análise crítica e estar preparado para a busca ativa do conhecimento; se comunicar efetivamente com os pacientes, a comunidade e as equipes de Saúde; ser capaz de reconhecer seu papel dentro do sistema de Saúde; e trabalhar de modo colaborativo com os demais profissionais da área; além de conduzir e implementar estratégias para prevenção, diagnóstico e tratamento nos três níveis de atenção”, explicou Baracat.

Um dos pontos chaves da apresentação foi em relação ao ensino durante a pandemia de Covid-19. De acordo com o palestrante, para se trabalhar com os mais de 60 mil alunos distribuídos entre os 184 cursos disponibilizados, a Universidade de São Paulo precisou se reinventar através de diretrizes válidas para todos, mas com diferenciação na grade para aqueles interligados à área da Saúde.

Dentre os recursos, foi disponibilizada uma plataforma chamada e.aulas, com atividades síncronas e assíncronas, não apenas no formato de aulas e vídeos gravados, mas também com interação on-line entre professores e alunos, promovendo rodas de discussão. Também passou a ser disponibilizada a rede e.disciplinas, contando com uma série de recursos digitais, além de o Google Meetings ter sido adotado como a principal plataforma de comunicação na universidade.

Sobre as atividades práticas presenciais, foram aprovadas em consonância com determinações do Conselho Nacional de Educação e do Conselho Estadual de Educação. “Na FMUSP, foram efetuadas atividades on-line, mas também tivemos atividades práticas no internato, no Hospital das Clínicas e no Hospital Universitário. Os nossos internos tiveram uma atuação muito grande, assim como na área de emergência e na clínica. Além disso, tivemos uma central de atenção à assistência de gestantes com Covid-19”, apontou.

Outro aspecto fundamental apresentado por Baracat foi o programa de voluntariado para estudantes de Medicina. Os professores, ao lado da equipe do Centro de Desenvolvimento, criaram o projeto, possibilitando que os estudantes adquirissem habilidades de liderança e desenvolvessem resiliência. Ademais, considerando toda a experiência adquirida durante a pandemia, é preciso reforçar a integração de conteúdos, competências e habilidades.

“É importante que ofereçamos aos estudantes tempo para que possam estudar e realizar outras atividades, inclusive aquelas não relacionadas ao ensino médico propriamente dito”, finalizou o professor.

Considerações finais

Encerrando o webinar, o presidente da APM destacou a necessidade de se discutir o tema. “Foram duas apresentações fascinantes, que nos dão espaço e estímulo para uma reflexão normal. Considerada a experiência e a qualidade dos palestrantes, somos apaixonados pela educação e poderíamos passar horas ouvindo as considerações dos senhores.”

Ele ainda destacou que a Associação Paulista de Medicina criou um Instituto de Ensino Superior, não para oferecer mais uma escola médica, mas sim para contribuir com a formação de gestores da Saúde: “Está sendo muito interessante e gratificante trabalharmos em torno desse campo. Temos que nos concentrar no ensino superior e fazer a nossa contribuição social, isso faz parte dos nossos deveres”.

Fotos: Reprodução Webinar APM