Marilena Pacios – Atenção à saúde e ao acolhimento

Desde 1992, a superintendente Marilena Pacios integra a história da Associação Cruz Verde, fundada em 1958 por um grupo de profissionais sensibilizados com alterações neurológicas em crianças, jovens e adultos.

Entrevistas

Hoje, a instituição sem fins lucrativos é referência em paralisia cerebral grave no País. Em entrevista à Revista da APM, Marilena aponta os desafios atuais da instituição no sentido de educar a sociedade sobre a aceitação do indivíduo com prognóstico crítico, de formar profissionais para lidar com pacientes cuja condição é irreversível e de manter economicamente a entidade.

REVISTA DA APM: Há 28 anos à frente da Cruz Verde, como é fazer parte desta história?
MARILENA PACIOS:
 É um aprendizado contínuo, todos os dias, com os pacientes e com as histórias dos funcionários que aqui trabalham. Conviver com o sofrimento humano, com solidariedade e compaixão, é bastante grandioso. Na verdade, diariamente acrescentamos um pouco de conhecimento em uma história que já vem sendo contada e escrita há 62 anos.

Quais são os desafios mais importantes na trajetória da associação?
Um dos desafios que acompanha bastante a trajetória da instituição é a própria aceitação do paciente grave. Temos uma percepção de que ainda existe uma dificuldade por parte do poder público e da sociedade como um todo de entender e valorizar o paciente com prognóstico difícil, cuja perspectiva é bastante reservada, mas que é um indivíduo como qualquer outro com sentimentos, necessidades, sonhos, alegrias e tristezas. Intervir na cultura que permeia a vida dessas pessoas com paralisia cerebral grave, sem perspectiva de andar, de ser alfabetizado e profissionalizado, é o nosso trabalho institucional constante. Existe uma cultura socio mercantil de que o valor da vida está diretamente ligado ao que o indivíduo pode dar de retorno econômico à sociedade. Essa visão tira a oportunidade de pacientes que poderiam ter melhores condições motora, clínica e de reabilitação, porque muitos são abandonados em abrigos e hospitais e encaminhados pelo Poder Judiciário para a nossa associação. Por fim, a viabilização econômica é outra questão importante que acompanha a instituição durante toda a sua trajetória.

E com relação à preparação dos profissionais de Saúde?
Posso afirmar que é outro desafio institucional lidar com a cultura de formação dos médicos e profissionais de Saúde que trabalham com pacientes graves. Muitas vezes, as faculdades formam especialistas para atuarem com pacientes que têm a possibilidade de uma reabilitação plena. Quando chegam à Cruz Verde, ao lidar com pacientes com prognóstico difícil, muitos desistem. Dizer que os nossos pacientes merecem e precisam de uma intervenção terapêutica, como qualquer outro indivíduo, é a nossa atuação também. Ou seja, temos muita necessidade de encontrar profissionais no mercado de trabalho mais preparados para trabalhar em uma instituição como a nossa. Na parte de pesquisas clínicas, temos um conhecimento muito ímpar que foi desenvolvido ao longo dos anos e poderia ser compartilhado certamente com a comunidade científica, é outro projeto que a instituição está à frente, inclusive, com a possibilidade de abrir novas áreas de atuação.

Quais são os principais avanços terapêuticos nos últimos anos?
O uso de toxina botulínica na intervenção terapêutica de um paciente grave como o nosso pode ajudar na parte motora, de fonoaudiologia e para problemas respiratórios. A nasofibroscopia, outro projeto que conseguimos trazer para a instituição, permite um diagnóstico muito mais preciso sob o ponto de vista do que prescrever de dieta para o paciente, para que sejam evitados episódios de bronco aspiração e engasgos. Na parte motora, os atendimentos com as cadeiras de rodas adaptadas ajudam muito no posicionamento do paciente. A tecnologia assistida, outro recurso, contribui para prevenir novas deformidades.

Qual a prevalência e incidência da PC no Brasil?
Não temos estatísticas de nascimentos com lesão cerebral porque não é uma doença de notificação compulsória. Entretanto, temos informações de que nos países desenvolvidos, a cada mil nascidos vivos, em média três têm paralisia cerebral. Já nos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, a cada mil nascidos, sete têm a doença.

E qual o trabalho da Cruz Verde nesse sentido?
Podemos dizer que temos três classificações para descrever o comportamento familiar. Primeiro, há familiares que abandonam o membro com paralisia cerebral. Muitas vezes, os pacientes internados na nossa instituição vieram de abrigos ou hospitais e recebem acompanhamento do Poder Judiciário. No segundo grupo, há os pacientes que chegam ao hospital com familiares, mas estes não acompanham o tratamento e a vida do internado. E no terceiro grupo há os pacientes acompanhados e visitados pelos familiares, que são participativos e atuantes na vida do internado. No decorrer do nosso trabalho, já melhoramos bastante esses relacionamentos, temos um trabalho muito eficiente com as áreas da Psicologia e do Serviço Social com as famílias, no sentido de manter os vínculos. Por conta da pandemia de Covid-19, as visitas presenciais foram suspensas desde março, mas criamos o projeto “Matando a Saudade”, readaptando as reuniões por meio de videoconferências.

Entrevista publicada na edição 723 da Revista da APM – nov/dez 2020