Oferecer informações confiáveis, verdadeiras e baseadas em evidências científicas é um ato ético valioso, especialmente quando o assunto é câncer. Esse grave problema de saúde pública, com estimativa de 704 mil casos por ano no País para este ano de 2025, é a força motriz do trabalho de inúmeros profissionais e pesquisadores pertencentes a diversas áreas do conhecimento, da Medicina à Comunicação, crescentemente acontecendo de maneira colaborativa – como é o nosso caso. Aqui, quem escreve são um médico onco-hematologista e um jornalista que vêm se empenhando, recentemente, a avaliar o conhecimento da população brasileira sobre o câncer e, tão importante quanto, como a desinformação na internet – esse fenômeno desafiador que engloba a produção e a circulação de informações falsas, imprecisas e equivocadas – pode ser enfrentada com estratégias bem fundamentadas de educação e divulgação científica para aumentar o letramento digital em saúde em nosso país.
O letramento digital em saúde (e-health literacy) – também conhecido como “literacia” ou “alfabetização” digital em saúde – se refere à capacidade das pessoas de obterem, processarem e compreenderem informações disponíveis online, incluindo a forma como elas as buscam em fontes confiáveis na internet, compreendem e avaliam criticamente essas informações. O baixo letramento em saúde está associado à maior suscetibilidade de elas serem afetadas por informações falsas ou equivocadas, e até mesmo disseminá-las.
A desinformação é danosa para vários setores da sociedade, mas é particularmente perigosa para a área da saúde, pois conteúdos falsos (por exemplo, sobre curas milagrosas, como o uso de substâncias encontradas em casa para produzir “remédios” ou “sucos preventivos”) podem ter consequências graves, como atrasos no diagnóstico e no tratamento, impedindo a busca por orientação e acompanhamento especializados.
Em um estudo feito por pesquisadores dos Estados Unidos e Canadá, foram analisados, entre 2018 e 2019, 200 materiais de comunicação em redes sociais com alto engajamento que apresentavam conteúdos sobre quatro tipos de tumores. Mais de 30% deles continham informações incorretas, sendo que acima de 70% dessas informações tinham potencial de causar prejuízos à saúde. O manejo ético da informação por meio da divulgação científica é crucial para diminuir esses e outros efeitos prejudiciais da desinformação, sobretudo em nossos dias, em que a circulação do conhecimento ocorre, principalmente, por plataformas digitais na internet.
Fazemos parte do CEPID (Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão) CancerThera, um projeto que agrega mais de 70 profissionais e pesquisadores dedicados, entre outros esforços, a enfrentar o dilema da desinformação, que se mostra cada vez mais urgente. Assim como nós, nossos colegas estão mobilizados a melhor entender o mecanismo de produção e circulação da desinformação sobre o câncer, seus possíveis motivadores e como o baixo letramento digital em saúde está implicado nessa equação.
Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o CancerThera abriga estudos com o objetivo de testar e desenvolver radiofármacos (medicamentos radioativos) para uso no “Teranóstico” (neologismo pela junção de duas palavras: terapia + diagnóstico), um modelo aplicado em Medicina Nuclear que reúne, em uma mesma abordagem, procedimentos para mapear a distribuição de tumores pelo corpo do paciente e tratá-los em seguida.
No Teranóstico, ajusta-se o tratamento com base na distribuição detalhada do tumor, utilizando-se diferentes níveis de radiação, em doses seguras para o paciente e os profissionais de saúde, não permanecendo no corpo por muito tempo. Um dos objetivos do CancerThera é desenvolver radiofármacos mais acessíveis e ativos, suprindo o mercado interno e tornando essa tecnologia disponível para a população do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse contexto, um dos obstáculos que temos é a percepção pública sobre a radiação, frequentemente associada, de forma negativa, ao uso da tecnologia nuclear para a produção de armas de guerra.
O medo infundado da radiação, impulsionado pela desinformação regularmente, pode levar pacientes oncológicos a se recusarem a passar por procedimentos diagnósticos ou terapêuticos personalizados e eficazes, prejudicando sua sobrevida e sua qualidade de vida. Ao lidar com esse problema, nosso centro de pesquisa busca educar sobre o uso benéfico e pacífico da tecnologia nuclear a partir de atividades presenciais de divulgação científica e de extensão junto à comunidade de Campinas e região, assim como mantém suas plataformas de comunicação institucionais, como site e redes sociais, atualizadas com informações confiáveis.
A equipe de Difusão do Conhecimento do CancerThera, responsável por essas ações, em mais uma de suas frentes de atuação, se debruça sobre o letramento digital em saúde e a desinformação da população no contexto do câncer.
Atualmente, está em andamento uma pesquisa que, por meio de um questionário online, investiga como os brasileiros buscam e disseminam informações sobre o câncer na internet e de que maneira são afetados por conteúdos desinformativos sobre formas de diagnosticar e tratar o câncer, especialmente tendo a tecnologia nuclear como fundamento. Esta é, então, uma oportunidade de lhe fazer um convite a contribuir com nosso estudo, respondendo ao questionário disponível em: cancerthera.org.br/participar. Juntos, podemos fortalecer o acesso à informação confiável e construir uma sociedade mais bem preparada para lidar com os desafios que o câncer impõe.
Fonte: Portal Hora Campinas – Leia aqui