APM sedia Congresso de Política Judiciária

A Associação Paulista de Medicina sediou, na última quarta-feira (4), a 29ª edição do Congresso Internacional organizado pelo Instituto Internacional de Estudos de Política Judiciária (Interpoj). O encontro teve como tema central os reflexos da pandemia no Poder Judiciário.

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A Associação Paulista de Medicina sediou, na última quarta-feira (4), a 29ª edição do Congresso Internacional Luso-Ítalo-Argentino-Brasileiro organizado pelo Instituto Internacional de Estudos de Política Judiciária (Interpoj). O encontro teve como tema central  os reflexos da pandemia no Poder Judiciário.

À mesa de abertura, o presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, deu as boas-vindas às autoridades presentes. “Nós ultrapassamos momentos extremamente difíceis. Passamos agora a cicatrizar nossas feridas e reorganizar nossas experiências aprendidas. É justamente isso que será discutido neste Congresso, ao observar a programação do evento. Percebemos que, enquanto sobreviventes da pandemia, estamos mais fortes e preparados para nos reinventar, afinal, a vida continua e não pode parar”, destacou.

O presidente do Interpoj e do Congresso, Ricardo Cardozo de Mello Tucunduva, fez uma breve síntese histórica sobre o surgimento do evento, realizado em 2010, em Portugal. O segundo ocorreu no mesmo ano, na cidade de Serra Negra (SP). “Em 2011, realizamos a terceira edição na sede da APM Estadual. Já em 2012, o então presidente do Tribunal da Justiça, Ivan Ricardo Garisio Sartori, entusiasmadíssimo com o evento, sugeriu que fizéssemos as próximas reuniões no Palácio da Justiça, e assim foram feitas por muitos anos”, acrescentou Tucunduva, também desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Criado em 2011, o Interpoj nasce no ínterim da realização dos Congressos. É uma associação que tem por finalidade divulgar, promover e congregar a ciência do Direito e áreas correlatas, como a Psicologia e a Psiquiatria Forense, para troca de conhecimentos, congregando estudiosos do Poder Jurídico do Brasil e do exterior.

A pandemia

O desembargador presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ricardo Mair Anafe, fez uma retrospectiva de como a pandemia mudou as relações de trabalho no TJ-SP, maior tribunal da América Latina, composto por 360 desembargadores, mais de dois mil juízes, 320 comarcas, 792 prédios por 40 mil servidores.

“Por volta do dia 12 de março de 2020, ouvi o primeiro movimento no tribunal em relação à pandemia. Com ordens do Conselho Superior da Magistratura, editamos o primeiro provimento da pandemia. Havia o receio geral, porque tivemos a informação do primeiro caso de infecção de um brasileiro vindo de Milão, e a Covid-19 já se propagava pela Ásia e Europa com uma sequência muito grande de mortes. Até então, não sabíamos muito a respeito do grau de contágio nem sua intensidade”, relembra Anafe.

Não demorou muito para o TJ-SP adotar a realização de atividades profissionais em casa (home office). “Todos estavam isolados e preocupados, e não foi diferente com a magistratura. Desde juízes àqueles que trabalham no mundo forense, era grande o medo de se contaminar ou transmitir a doença. E começamos com o home office.”

O desembargador pontuou as dificuldades em realizar, naquele primeiro momento, o trabalho remoto. “O Poder Judiciário é um serviço de Estado, o juiz que profere só pacifica/soluciona conflitos, é mais que essencial porque representa o Estado. Tínhamos que permanecer funcionando de qualquer forma, esse foi o nosso primeiro desafio.”

Em pouco tempo, as audiências passaram a ser virtuais. “Não estávamos preparados para o home office, não tínhamos software específico para isso, alguns juízes não tinham computador, era uma dificuldade sem igual. Conseguimos aos poucos, em torno de um mês e meio, fazer as transmissões on-line, teleurgência e atendimento com advogados pelo sistema Teams. E um software muito caro para essas transmissões foi cedido ao TJ.”

A partir de abril, o TJ-SP já tinha as salas próprias com videoconferência para todas as audiências.  Anafe conta que o modelo resultou em economia expressiva para o Estado, uma vez que o réu preso não precisaria se locomover. Além disso, as reuniões começaram a ser pontuais. “Tivemos também a absoluta diminuição de risco de fugas e permitiu conforto ao próprio preso nesse trajeto. Em suma, no estado de são Paulo, tivemos que mudar a cultura e filosofia, isso foi possível com o apoio recebido da Secretaria da Administração Penitenciária.”

A transformação digital trouxe mudanças significativas para o TJ-SP. Garantiu a tramitação normal dos processos físicos e geriu melhor o aproveitamento do tempo. “Realmente tivemos uma produtividade muito grande nos processos digitais, modernizamos dez anos em dois. Temos um Judiciário completamente diferente daquele do início de março de 2020. Hoje, conciliamos parte presencial e parte home office”, conclui.

Participaram também da cerimônia de abertura o desembargador coordenador do Congresso, José Raul Gavião de Almeida; o desembargador corregedor-geral da Justiça do Estado de São Paulo, Fernando Antonio Torres Garcia; o desembargador vice-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Guilherme Gonçalves Strenger; e o desembargador vice-presidente e corregedor Regional Eleitoral Silmar Fernandes.

Pandemia e transtornos mentais

Dentre os palestrantes da programação do evento estava o psiquiatra forense e diretor Cultural da APM, Guido Arturo Palomba, que falou sobre as mudanças na Medicina praticada no Brasil e no mundo em razão da crise sanitária da Covid-19.

A Medicina não é mais a mesma, mundialmente. “Depois do dia 6 de março de 2020, a Medicina não foi e não será mais a mesma. No Direito, está claro que foi algo extraordinariamente positivo em todos os sentidos, com as audiências virtuais, o encurtamento das distâncias e o arquivamento dos processos, resultando em maior economia para o Estado. Agora, o que aconteceu em geral durante a pandemia? Foi um verdadeiro terror. Os momentos iniciais foram difíceis, desgastantes e dolorosos, principalmente para aqueles que estavam na linha de frente, não só os médicos, como enfermeiros e demais profissionais”, relata Palomba.

Naquele momento em que todos foram pegos de surpresa, os equipamentos de proteção individual (EPIs) passaram a ser a vestimenta comum dos médicos e profissionais da Saúde. “Dentro de um macacão, com máscara, óculos de proteção, gorro, luva e sem ter contato físico com o paciente. No início, o médico tinha que escolher quem iria morrer, ninguém estudou para escolher quem vai morrer. Foi extremamente desgastante. E quantos médicos, enfermeiros e pessoas do trabalharam na linha de frente não morreram? Foram as profissões que mais perderam pessoas”, disse o psiquiatra forense.

Palomba informa que a assistência remota foi potencializada, um ganho importante para a Medicina, embora haja limites para algumas especialidades como a Psiquiatria. Falou, inclusive, da banalização das psicopatologias, com a intensificação da medicalização baseada na Classificação Internacional de Doenças (CID).

“Neste período, o que aconteceu e se intensificou com a pandemia? As indústrias farmacêuticas viram na Psiquiatria um grande vilão de ganho, porque não se iguala a tristeza não patológica com a tristeza patológica. Porém, o médico malformado pode receitar medicamento para qualquer sintoma, a ponto de todos nós cabermos nessas classificações de doenças internacionais. Essa relação foi intensificada com a pandemia. O mundo virtual foi extraordinário, mas não para a Psiquiatria. Para se ter ideia, tem um programa de computador em que a pessoa olha para a câmera, e conforme sua fisionomia, o aplicativo diz se está deprimida ou não”, alerta.

Por fim, o diretor da APM defende a necessidade do contato físico entre o médico psiquiatra e o paciente. “Aprenda todas técnicas e as novidades que existirem no mundo virtual, mas quando você tocar uma alma humana, seja um humano. O contato pessoal para tratar das doenças psicopatológicas é fundamental.”

Foram apresentadas, ainda, as aulas “Pandemia enquanto catalisador para alteração de paradigma”, por Ruy Cardozo de Mello Tucunduva Sobrinho; “Sars-Cov-2 versus o vírus do formalismo no processo penal”, por José Raul Gavião de Almeida; “Devido processo penal e as audiências criminais virtuais”, por Marta Saad; “A pandemia como causa de fortalecimento do processo eletrônico”, por Carlos Renato da Silva; “Derecho penal y pandemia, problemas y soluciones del processo virtual”, por Roberto José Boico; “Impactos da pandemia de Covid-19 na atividade de polícia judiciária”; “As consequências da pandemia sobre o direito de família”, por Carlos Eduardo Silos de Araújo; “La reazione dell’ordinamento giuridico italiano ala pandemia da Covid-19”, por Marco Galdi; e “A emergência do teletrabalho em tempos de pandemia”, por Inês Moreira Santos.

Fotos: Keli Rocha