A “proficiência” de Epicteto

Texto de Leandro Freitas Colturato, diretor da 8ª Distrital da APM, fala sobre educação médica

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Um dos filósofos gregos mais influentes da antiguidade, Epicteto, defendia a importância da virtude e do autocontrole como pilares da felicidade. Enfatizava que as pessoas não são perturbadas pelas ações externas, mas sim, pelas suas próprias opiniões e julgamentos dessas ações.

Ao invés de nos preocuparmos com coisas que não podemos mudar, Epicteto dizia que devíamos focar no que está sob nosso controle: os pensamentos, os desejos e as ações. Ao deixarmos de nos atentar com o que não podemos controlar, concentramos no que realmente importa. Por meio da disciplina e do esforço, a verdadeira felicidade e liberdade será alcançada.

Intrínsecas à Saúde, a felicidade e a liberdade de forma autêntica e significativa, não serão plenamente atingidas sem o cuidar do bem-estar físico, mental e social. Somente médicos com qualidade profissional adquirida na sua formação, poderão propiciar Saúde plena à população.

A má qualidade dos cursos de Medicina no País impacta diretamente a população. Com a derrota na batalha de abertura de novas escolas médicas que respeitam a qualidade profissional, há anos as Associações Médicas lutam pelo Exame de Proficiência Médica, que visa garantir a qualificação dos médicos com conhecimentos e habilidades mínimos e necessários para dar atendimento à população.

Será a solução definitiva? Talvez não, mas certamente é um caminho para moderar a formação. A avaliação única não demonstra a capacitação profissional, mas ajuda. Como exemplo, o Direito. No Brasil, estima-se que existam cerca de 4 milhões de bacharéis em Direito. No entanto, a OAB registrou 1,2 milhão de advogados em 2024. Mesmo com o “bloqueio” de aproximadamente 75% dos formandos, há trabalhos que mostram que a prova da OAB não melhorou a qualificação dos profissionais.

Importante compreender que o problema está no aparelho formador. A solução é complexa, mas alcançável: a abertura de novas faculdades de Medicina deve ser controlada, estar atrelada a locais com vazios assistenciais e ter o mínimo de estrutura educacional, desde estágios de atenção básica à Saúde até hospitais com profissionais capacitados para atuarem como docentes; avaliações acadêmicas durante a formação devem ser implementadas com a prerrogativa de melhorar e, se necessário, coibir a formação; os Conselhos Federal e Regionais devem ser mais atuantes e proibir a atuação dos maus médicos.

Nos dias atuais, certamente Epicteto estaria atuando no Senado para a mais breve aprovação do Projeto de Lei 2.294/2024, que institui o Exame Nacional de Proficiência em Medicina. O número de formandos em Medicina nos últimos 10 anos aumentou de aproximadamente 23 mil/ano para quase 45 mil/ano. Aumentar o número de médicos não trará uma boa e segura assistência aos cidadãos. O número exacerbado e crescente de processos éticos contra médicos comprova a informação.

Na mais recente avaliação do Ministério da Saúde, dos 309 cursos apenas 6 conquistaram a nota máxima no Conceito Preliminar de Curso, um dos principais indicadores de qualidade do ensino superior. Como esperar da maior parte destas instituições uma formação adequada? Como esperar profissionais aptos ao mercado cada vez mais patológico? O silêncio não pode reinar. Nossos pensamentos, desejos e ações devem ser validados. Epicteto está ao nosso lado.

Leandro Freitas Colturato, ginecologista e obstetra e diretor da 8ª Distrital da APM (CRM-SP 120.707 | RQE-SP 98.689)