Saúde suplementar: quando o cidadão não tem vez

Há algumas décadas, a saúde suplementar no Brasil apresenta um viés absolutamente mercantil. Em vez de priorizar a assistência de qualidade aos pacientes, empresas e gestores apenas se preocupam em transformar planos de saúde em um grande negócio de enriquecimento fácil.

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Há algumas décadas, a saúde suplementar no Brasil apresenta um viés absolutamente mercantil. Em vez de priorizar a assistência de qualidade aos pacientes, empresas e gestores apenas se preocupam em transformar planos de saúde em um grande negócio de enriquecimento fácil.

Para um entendimento melhor de quão graves e antigos são os conflitos das operadoras com os demais atores do setor, vale retroceder duas décadas no tempo. Nos idos dos anos 2000, em uma inédita pesquisa com os pacientes, a Associação Paulista de Medicina (APM) e o DataFolha constataram que nove em cada dez apresentavam queixas graves, como negativa de atendimento, falta de cobertura, dificuldade de acesso a consultas, alta antecipada de internação, entre outras tantas.

À mesma época, a APM desencadeou uma campanha publicitária que se transformou em um case de mídia por sua relevância social. Com mote, “há planos de saúde que enfiam a faca em você e tiram o sangue dos médicos”, a iniciativa foi da maior importância para trazer a público os abusos das empresas.

De lá para cá, praticamente nada mudou na saúde suplementar. Aliás, sempre que se fala em mudança nesse seguimento, todas são para pior.

Recentemente, o Ministério da Saúde patrocinou uma tentativa de implantar produtos com cobertura limitada, chamados estrategicamente pelos marqueteiros do governo, de planos populares. Preveem a liberação de reajustes para os produtos individuais e o aumento dos prazos para agendamento de consultas e para o acesso a procedimentos. Também contemplam a exclusão de tratamento de alta complexidade, como quimioterapia, urgências e emergências e hospital-dia.

 Cogita-se até a criação de um sistema de coparticipação do usuário nos gastos das empresas. O paciente contratará um plano em formato semelhante ao de uma franquia de automóvel. Em caso de doenças mais graves e dispendiosas, terá um ônus maior, e será penalizado pelo “sinistro”.

A mal fadada iniciativa só não foi adiante, pois houve reação imediata de órgãos de defesa do consumidor, como a Associação PROTESTE, de entidades representativas dos médicos, entre elas a APM, e até do Ministério Público. Lamentavelmente, porém, tudo indica que não foi descartada totalmente.

Uma evidência disso é que agora mesmo tramita na Câmara dos Deputados, em regime de urgência, uma proposta de mudança da lei 9.656/98, que normatiza as relações no campo da saúde suplementar. Em resumo, a tal propositura desfecha um golpe sobre os consumidores de plano de saúde, os pacientes.

A mudança da lei apresenta propostas que significam um enorme prejuízo à população, como a ausência de aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos; a liberação dos reajustes dos produtos individuais de saúde e de planos “populares” ou “acessíveis”, segmentados, com inúmeras restrições de coberturas; a alteração no rol mínimo de coberturas obrigatórias, atualizado a cada dois anos pela ANS, em máximo; e o fim do ressarcimento ao SUS, toda vez que um cliente de plano de saúde é atendido na rede pública.

São alterações inaceitáveis e que pendem para um só ator do tripé da saúde suplementar: os empresários. Médicos e pacientes têm de resistir.

Marun David Cury

Diretor de Defesa Profissional Adjunto