Compreender os direitos e deveres enquanto médicos é fundamental para se proteger contra as eventuais adversidades profissionais. Por isso, o Congresso de Medicina Geral da Associação Médica Brasileira trouxe “Direto Médico e LGPD” como uma de suas aulas. As apresentações aconteceram na sexta-feira, 25 de julho, e focaram em temas que conversam diretamente com a rotina dos participantes.
A advogada Juliana Hasse foi responsável por conduzir a palestra “A LGPD e os desafios para a proteção de dados na prática médica”. Conforme relembrou, a Lei Geral de Proteção de Dados, nº 13.709/2018, é baseada no regulamento GDPR (General Data Protection Regulation), da Europa.
“A área da Saúde foi muito abraçada pela LGPD, não que não fosse antes, mas a Medicina foi impactada pelo fato de a Saúde estar inserida nos dados pessoais sensíveis. Ela depende de provocação e a responsabilidade em relação aos dados de pacientes, em clínicas e consultórios, mostra um viés de segurança em relação ao paciente. Isso faz diferença no mercado e atrai pacientes para o dia a dia”, explicou.
De acordo com a especialista, a cultura de proteção de dados traz uma série de vantagens à Medicina. “Fortalece a relação entre médico e paciente, aumenta a confiança e transparência, traz benefícios na rotina, obriga clínicas e hospitais a investirem em sistemas mais seguros, previne vazamentos e fraudes, minimizando riscos e uso indevido de dados de Saúde, e possibilita um diferencial competitivo, já que clínicas que se adequam ganham credibilidade.”
Juliana também aproveitou para evidenciar as principais dificuldades e pontos nevrálgicos desta situação, que envolve os custos de adequação, a falta de cultura digital – se consolidando como o principal fator de dificuldade de incorporação –, e incidentes, que geram questionamentos sobre a segurança das plataformas em que os dados são armazenados.
Segurança Digital
Em seguida, o juiz de Direito Richard Pae Kim abordou “Segurança Digital no Sistema de Saúde/Comedjus”. Ele relembrou que a Saúde Digital abrange Telemedicina, inteligência artificial, prontuários eletrônicos e big data, salientando que houve mais de 50 bilhões de dólares investidos em big techs, o que demonstra que a revolução tem trazido benefícios inegáveis, mas que é acompanhada por riscos inéditos, principalmente no que consiste em privacidade, segurança, equidade e novas formas de exclusão.
Kim destacou que Reino Unido, França e Alemanha são alguns dos países que já adotaram o modelo de digital first, o que permite que o primeiro contato com o médico seja feito de forma totalmente digital, focando em interoperabilidade e segurança. “Precisamos de uma regulação adaptativa, colaborativa com a participação da sociedade, que está participando muito pouco dos debates, e com transparência, para que tenhamos um modelo auditável.”
Ele argumentou que há uma ampla necessidade de se buscar segurança cibernética absoluta, uma vez que dados são preciosos e, por isso, considerados o novo petróleo no mundo, trazendo consequências desastrosas com incidentes de vazemos. “Se ocorrerem por culpa, temos a possibilidade de aplicação de penalidades, com punições de milhões de reais para cada infração.”
O palestrante aproveitou para deixar alertas. “Registro de que nada adianta estudarmos com profundidade a LGPD se não tivermos um sistema eficiente, esse investimento é necessário, é exigível. Regulação de Saúde Digital não pode ser vista como um entrave, mas sim como uma forma de que ela seja um instrumento de saúde pública e diminua as desigualdades.”
Consentimento informado
Na palestra sobre “O consentimento informado no contexto médico: limites e desafios legais”, conduzida pela advogada Juliana Kozan, a especialista definiu o tema como “a decisão informada e esclarecida de forma adequada e eficiente de concordância à sua submissão a algum procedimento terapêutico, cirúrgico ou clínico, recomendado pelo médico.”
De acordo com Juliana, isso implica um entrave, já que o médico não pode impor condutas caso não haja o consentimento do paciente, ao passo que, eticamente, não pode deixá-lo atentar contra a sua própria saúde. Desta maneira, a concessão das decisões é formalizada por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o TCLE.
“Para obter o TCLE, o médico deve averiguar se o paciente tem condições de entender e decidir sobre a realização ou não de um procedimento, caso não tenha, deve sugerir que chame alguém que possa ajudá-lo. Ele também precisa expor de forma clara e simples as questões relacionadas, avaliando se o paciente compreendeu as informações fornecidas e estando disponível para sanar eventuais dúvidas”, demonstrou.
Segundo a especialista, os limites e desafios do TCLE são variados. “O termo não exime o médico automaticamente da responsabilidade e vai ser apurado se ele o obteve adequadamente. A falta de padronização nos serviços, o uso de modelos genéricos e juridicamente frágeis, sem individualização, e a resistência cultural de médicos e paciente em fornecer e obter esse documento se constituem como desafios complexos a serem enfrentados.”
Responsabilidade Civil do Médico
Por fim, o advogado Cristiano Plate apresentou a aula “Responsabilidade Civil do Médico como se proteger de reclamações e processos?”. Ele recordou que, em 2024, a Saúde enfrentou mais de 666 mil processos e agora, em 2025, o total acumulado somente no primeiro semestre foi de 260 mil.
“A área civil é aquela em que o paciente vai buscar uma indenização, que é quando um profissional gera um dano. No Brasil, a responsabilidade é subjetiva e é preciso demonstrar a culpa por meio de negligência, imprudência ou imperícia. Se um paciente morre em uma cirurgia, por exemplo, o médico não é responsabilizado se ele comprova que realizou a melhor técnica possível e não submeteu o paciente a riscos desnecessários”, ilustrou.
Para Plate, os erros mais comuns que levam ao processo se dividem entre o médico não explicar as nuances do procedimento, não registrar as decisões do paciente, ter uma postura fria ou arrogante e não documentar complicações. Conforme o advogado, neste contexto, o prontuário médico é um documento essencial, pois acaba validando a ação dos profissionais e, nele, deve conter anotações completas sobre as condutas adotadas e suas respectivas justificativas. “O prontuário vai defender vocês em processos éticos ou judiciais.”
O palestrante reforçou que boa comunicação e tratamento individualizado contribuem efetivamente para evitar processos. “É preciso seguir protocolos, estar sempre estudando, estar de acordo com as boas práticas e diretrizes das sociedades médicas e justificar a atuação nos prontuários. Os médicos precisam conhecer a responsabilidade que envolve suas atuações e estar ciente dos riscos. Com ética, técnica e documentação, é possível exercer a Medicina com mais humanidade.”
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