Brain rot: vício em telas e o “apodrecimento” do cérebro

O membro da Comissão Organizadora do XV Congresso Paulista de Neurologia fala sobre o longo tempo gasto em telas e em conteúdos não estimulantes

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“Brain rot” foi eleita a expressão mais procurada do último ano, de acordo com o Dicionário Oxford. Ao pé da letra, o significado é “cérebro apodrecido” e está relacionado às consequências do vício em telas – principalmente entre crianças e adolescentes – ao consumir conteúdos pouco desafiadores e superficiais. Os efeitos desta condição são graves e preocupantes, já que estão diretamente atrelados ao desenvolvimento de transtornos mentais e prejudicam as interações sociais dos indivíduos.

Nesta edição, a Revista da APM conversou com o neurologista Marcel Simis, membro da Comissão Organizadora do XV Congresso Paulista de Neurologia, para esclarecer alguns pontos fundamentais sobre o tema. Ele demonstra como o brain rot pode potencializar distúrbios já existentes, de que forma se desenvolve, como evitar a condição e como tratá-la. Confira a seguir.

Como se caracteriza o brain rot e quais são os seus efeitos?
Brain rot foi eleita a palavra do ano de 2024 pela Oxford University Press, mas é importante destacar que este não é um termo e nem um diagnóstico médico, já que não está incluído no DSM-5, que é o Manual Diagnóstico Estatístico dos Transtornos Mentais, e nem no CID10, que é o Manual das Doenças, então é um termo que não é um diagnóstico clínico. Porém, é um termo interessante que, inclusive, serve como importante alerta para a sociedade, porque está associado ao consumo excessivo de materiais e conteúdos on-line que são considerados triviais ou pouco desafiadores para a atividade cognitiva cerebral.

Então, em tese, o termo coloca como se fosse um “apodrecimento cerebral” por uma exposição excessiva de conteúdos on-line que não geram maior engajamento mental ou maior atividade intelectual. No entanto, temos que tomar cuidado em dizer a expressão “apodrecimento cerebral”, porque, para alguns, pode soar que verdadeiramente acontece dos neurônios e das células cerebrais morrerem e apodrecerem, e não é isso. É até um termo que eu, pessoalmente, não gosto, por passar uma ideia como se fosse um dano estrutural dos neurônios que, na verdade, não acontece desta maneira. Todavia, embora não aconteça o dano estrutural, é algo, sim, preocupante, visto que o excesso de exposição a este tipo de conteúdo on-line pode trazer prejuízos para a vida da pessoa.

Como o brain rot pode potencializar transtornos já existentes, como ansiedade, depressão e síndrome do pânico?
Já existem estudos mostrando que a exposição excessiva a telas e diferentes conteúdos on-line está relacionada com a depressão, ansiedade, estresse e alteração na qualidade do sono. É interessante que não gera um dano neuronal, mas gera uma disfunção de circuitos neuronais. Um circuito que comumente é relatado, e há artigos científicos sobre o assunto, é um circuito dopaminérgico, ou seja, o que está relacionado com aspectos de recompensa e de reforço, que são associados à motivação, à vontade de perseguir algum objetivo. No caso, esse tipo de exposição a, por exemplo, vídeos curtos em aplicativos como YouTube e TikTok, entre outros, faz com que a pessoa fique engajada naquela atividade por muito tempo, buscando, então, essa rápida recompensa. Assim, bagunçando e desregulando o circuito dopaminérgico, a pessoa desenvolve algo semelhante mesmo a um vício dessa atividade on-line. É essa desregulação dos circuitos que predispões a transtornos mentais nas pessoas que têm esse uso excessivo de telas.

O brain rot é uma condição mental, no entanto, também é possível observar alterações físicas nos pacientes?
Existem os problemas que são ocasionados pela exposição excessiva ao celular, à rede social e a ficar muito tempo assistindo vídeos desestimulantes, mas existe também a questão do que a pessoa deixa de fazer por estar conectada aos dispositivos eletrônicos. Então, muitas vezes, deixa de praticar uma atividade física, podendo ter atrofia muscular – que, inclusive, leva a alterações musculoesqueléticas, mudando a posição da própria coluna pela postura que fica diante das telas. Ocorrem situações, por exemplo, de pessoas passarem a ficar mais tempo dentro de casa, e, assim, terem pouca exposição ao sol, podendo ocasionar déficit de vitamina D. Há ainda a troca de atividades em ambientes externos por ambientes internos, deixando de se socializar, o que é muito importante para a saúde mental e para a saúde como um todo.

Há diferenças na manifestação do brain rot de acordo com a idade?
É importante essa questão do impacto dependendo da idade. Existe uma preocupação muito grande com a exposição a telas, especialmente para crianças em desenvolvimento. Já em evidências mostrando que o cérebro da criança com acesso a telas passa a se desenvolver de formas diferentes daquela que não esta tendo essa exposição excessiva e para o risco de desenvolvimento de transtornos mentais em função disso. Esse risco é grande também em adolescentes, mas, de modo geral, é preocupante em todas as idades, inclusive nos idosos, existindo relatos de alguns que deixam de socializar e de se exercitar.

Há algum tratamento para conseguir reverter esta situação? Quais as possibilidades?
A boa notícia é que isso é tratável, então são alterações reversíveis. Na questão da criança é mais preocupante, porque não se sabe o quanto esse tipo de alteração pode ser duradoura ao longo da vida. Mas, já se sabe que muito desse processo é reversível, então com a pessoa deixando de ficar exposta à tela, essas alterações de circuitos dopaminérgicos, entre outros circuitos neuronais, tendem a se reestabelecer e aí reverte esse processo. Então, como tratar? É reduzindo, e muito, o tempo de exposição a esse tipo de conteúdo. Esse seria o principal tratamento, se fiscalizar e os pais fiscalizarem as crianças e os adolescentes em relação a esse conteúdo e, realmente, retirar, evitar essa exposição abrangente a celulares, tablets, televisões e computadores.


Raio-X

FORMAÇÃO: Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

ESPECIALIDADES: Neurologia

ATUAÇÃO: Médico e Pesquisador do Hospital Israelita Albert Einstein


Matéria publicada na edição 749 (Março/Abril de 2025) da Revista da APM