Estadão publica artigo do diretor da APM

Clóvis Constantino e Evelyn Eisenstein opinam sobre a proibição do uso de celulares nas escolas

APM na imprensa

Menos telas e mais saúde nas escolas

Lei 15.100/2025 não demoniza a internet, mas cria um espaço seguro, protegendo os estudantes do uso ininterrupto de dispositivos digitais

Este início de ano letivo promete um novo ambiente nas escolas brasileiras: talvez corredores mais movimentados, recreios cheios de rodas de conversas e salas de aula livres do brilho das telas. Pela primeira vez, a volta às aulas será marcada pelo fim do uso de celulares, mudança decorrente da aprovação da Lei 15.100/2025. A legislação, que abrange a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, representa um avanço na proteção de crianças e adolescentes frente aos riscos do uso descontrolado das tecnologias digitais.

Desde 2016, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulga documentos científicos alertando para os impactos negativos do consumo excessivo de telas e mídias sociais no desenvolvimento infantojuvenil. A ciência demonstra que o uso precoce, excessivo e prolongado de dispositivos eletrônicos pode acarretar danos significativos. Os prejuízos à saúde física são inúmeros, incluindo problemas posturais, transtornos visuais e auditivos, sedentarismo e aumento da obesidade. Na primeira infância, há risco de atrasos no desenvolvimento motor e na aquisição da linguagem.

Além disso, o ambiente digital pode influenciar ou agravar problemas comportamentais e de saúde mental, como irritabilidade, alterações de humor, isolamento, transtornos do sono e da alimentação. A dependência digital, o vício em jogos eletrônicos, a ansiedade e a dificuldade de socializar fora do mundo virtual são queixas cada vez mais comuns nos consultórios pediátricos. Os riscos incluem também a exposição a conteúdos impróprios, cyberbullying, violência, exploração sexual e até incentivo ao suicídio.

A Lei 15.100/2025 busca garantir que, pelo menos no ambiente escolar, crianças e adolescentes estejam protegidos e com o foco voltado à aprendizagem, às atividades esportivas e culturais, ao lazer longe das telas durante o recreio, ao contato com o meio ambiente e à interação direta com colegas e professores.

A volta às aulas deste ano, portanto, representa um momento decisivo, em que a sociedade civil, a mídia e, principalmente, pais e responsáveis precisam se engajar no debate para garantir a efetiva implementação da lei. O diálogo com os jovens sobre os benefícios do uso consciente das mídias digitais pode facilitar a adesão à nova medida, evitando resistências extremadas.

Estamos há mais de duas décadas sem regulamentações eficazes para garantir a segurança, a saúde e a privacidade de crianças e adolescentes no meio digital. A proposta não demoniza a internet, mas cria um espaço seguro, protegendo os estudantes do uso ininterrupto de dispositivos digitais dentro das escolas.

Segundo o relatório Digital 2024: Global Overview Report, da We Are Social e Meltwater, o Brasil ocupa a segunda posição mundial no tempo médio de exposição às telas entre crianças e adolescentes, atrás apenas da África do Sul, com uma média de nove horas diárias.

A popularidade dos serviços de streaming, jogos online e redes sociais, aliada à ampla penetração de smartphones e da internet, também contribui para esse cenário alarmante. De acordo com o estudo TIC Kids Online Brasil 2024, 93% das crianças brasileiras entre 9 e 17 anos utilizam ativamente a internet. Dentro dessa faixa etária, quase 30% relataram ter vivenciado situações ofensivas ou desagradáveis no ambiente virtual. Por isso, políticas públicas como a proposta pela Lei 15.100/2025 são muito bem-vindas.

É dever da sociedade continuar pressionando por novas mudanças, como a adoção de ferramentas eficazes de verificação de idade e adaptação de conteúdos; o controle do tempo de utilização da internet por crianças e adolescentes; a eliminação de práticas que induzam ao uso nocivo da rede; a criação de mecanismos online para notificação e bloqueio de conteúdos violentos e abusivos; e a proibição da captação de dados para publicidade direcionada.

A responsabilidade pela proteção da infância e da adolescência deve ser compartilhada entre autoridades governamentais, famílias, escolas e as grandes empresas de tecnologia que detêm redes sociais, aplicativos, sites, jogos eletrônicos e outros serviços digitais. Apenas por meio de um trabalho conjunto e da conscientização de todos será possível garantir um ambiente virtual mais saudável e fazer valer o direito constitucional que prioriza a proteção integral dos 55 milhões de crianças e adolescentes brasileiros.

Clóvis Francisco Constantino é diretor de Previdência e Mutualismo Adjunto da Associação Paulista de Medicina e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria

Evelyn Eisenstein é coordenadora do Grupo de Trabalho em Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria

Confira o texto na íntegra neste link

Fonte: Estadão