Instituições buscam se distanciar de médicos que exploram síndrome sem comprovação científica

Emílio Ribas e Instituto D’Or afirmam não ter vínculo com Roberto Zeballos e Francisco Cardoso; eles assinaram estudo retirado de publicação que apontava vacina contra covid como causadora de sintomas ‘pós-spike’

O que diz a mídia

O Instituto de Infectologia Emílio Ribas e o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor) afirmaram não ter vínculo com os médicos Francisco Cardoso e Roberto Zeballos, autores de um estudo retirado de publicação que apontava as vacinas contra covid de mRNA como causadoras do que chamam de “síndrome pós-spike” ou “spikeopatia”, com sintomas de longo prazo semelhantes aos da covid longa. A associação, sem evidência científica, foi a premissa para a sugestão, no artigo, de um protocolo de tratamento sem eficácia confirmada.

No estudo, que havia sido publicado em junho deste ano, consta a informação de que Francisco Cardoso é vinculado ao Instituto de Infectologia Emílio Ribas. Mas o hospital disse ao Verifica que o médico foi exonerado em 21 de outubro de 2024. Segundo o Emílio Ribas, não há, desde 2008, qualquer registro de estudo, projeto de pesquisa ou trabalho envolvendo Cardoso que tenha sido submetido à sua Comissão de Ética em Pesquisa ou à sua Diretoria Científica.

“O referido trabalho, portanto, não tem qualquer relação com o Instituto de Infectologia Emílio Ribas”, diz a nota do hospital, acrescentando que “avalia medidas em relação ao caso citado”.

Procurado, Cardoso afirmou que foi ele quem tomou a decisão de pedir exoneração do Emílio Ribas.

“Nenhum paciente do Emílio Ribas foi citado no estudo. E em nenhum momento o estudo afirma diferente disso”, afirmou. “A presença do nome do Instituto aparentemente decorreu de algum erro material, o qual será imediatamente endereçado à revista para fins de adequação”.

Já Roberto Zeballos informou vinculação ao Idor no estudo. Ao Verifica, o Idor disse que Zeballos não está vinculado a qualquer protocolo de pesquisa da instituição e que não faz parte do grupo de pesquisadores ligados ao órgão.

Segundo o instituto, Zeballos submeteu o estudo ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Idor no início do ano, e recebeu aprovação. O Idor esclareceu que o comitê permite ou não que um estudo seja realizado a partir da análise de aspectos éticos da pesquisa proposta, mas que “não tem relação com avaliação de resultado ou validação científica do estudo”.

O Idor disse ainda que “apoia incondicionalmente o programa vacinal, incluindo o uso de vacinas contra Covid-19″. A nota acrescenta: “Vale lembrar que a instituição participou ativamente do esforço brasileiro de pesquisa com vacinas durante a pandemia, tendo recrutado, aplicado e acompanhado os resultados de cinco diferentes tipos de imunizantes em mais de 6 mil voluntários”.

Zeballos foi procurado, mas não respondeu.

Reportagem mostrou que médicos promoveram ‘spikeopatia’

Na última sexta-feira, 14, o Estadão Verifica mostrou como médicos que boicotaram a vacinação contra a covid-19 durante a pandemia faturam com conteúdos, cursos, consultas particulares e tratamentos para remediar uma suposta síndrome sobre a qual não existe comprovação científica.

Os médicos Francisco Cardoso, Roberto Zeballos e Paulo Porto de Melo publicaram um estudo na revista IDCases com um protocolo para tratar o que chamam de “síndrome pós-spike” ou “spikeopatia”, condição que seria causada pela proteína spike, produzida no corpo pelas vacinas de RNA mensageiro, e que teria sintomas semelhantes aos da covid longa.

A existência da “spikeopatia”, porém, não é comprovada pela comunidade científica. O estudo publicado pelos médicos foi retirado de publicação pela editora Elsevier devido ao risco da disseminação de protocolos de tratamento não validados e por não haver comprovação de relação entre a suposta doença e vacinas.

Após a publicação, Francisco Cardoso e Paulo Porto de Melo retiraram do ar as plataformas dos cursos que vendiam com teor antivacina, e apagaram postagens em que promoviam a venda dos conteúdos. No curso de Cardoso, que era vendido por R$ 497 à vista, ele prometia revelar a “verdade” sobre os imunizantes.

“Seus filhos ou alguém da sua família serão picados e terão efeitos colaterais severos para o resto da vida”, alertava o médico, ao promover o curso em que indicaria quais vacinas seriam seguras ou não.

O termo “picada” para se referir ao imunizante contra covid é comumente utilizado nas redes sociais por grupos antivacina. Veja reprodução da página do curso de Cardoso que não está mais no ar:

O neurologista Paulo Porto de Melo também retirou do ar o curso “Medicina sem Censura” após a publicação da reportagem do Estadão Verifica. Com valor de R$ 685 à vista, o curso prometia revelar a “verdade” que estaria sendo ocultada pela indústria farmacêutica e pela mídia. O link foi retirado de seu perfil no Instagram.

A descrição do curso falava em “uma comunidade oculta para revelar todas as verdades que eles não querem que você saiba” e em “análises e conteúdos que não podem ser postados nas redes sociais”. Um dos módulos era intitulado “reunião secreta – arquivos sigilosos da vacinação”.

Ministério da Saúde e entidades científicas se manifestam

No domingo, 16, após publicação da reportagem na edição impressa do Estadão, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, fez uma postagem na rede social X sobre o assunto. Ele afirmou que o governo não seria tolerante com o negacionismo e que o órgão, junto com a Advocacia-Geral da União (AGU), adotaria “medidas cabíveis”.

Em entrevista ao Estadão, Padilha afirmou que o ministério prepara medidas em quatro frentes contra os médicos envolvidos. Dentre as medidas está a representação criminal na Justiça contra esses profissionais.

Na terça-feira, 18, o Ministério da Saúde reafirmou, em nota conjunta com Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) que, em parceria com a Advocacia-Geral da União (AGU), “será feito tudo o que for possível, do ponto de vista jurídico, para impedir que esses profissionais continuem espalhando mentiras sobre vacinas e ainda lucrando com isso”. Na nota, as entidades manifestaram “firme repúdio” ao que chamaram de “farsa anticiência”.

A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) também divulgou nota em que expressa preocupação e afirma acompanhar com atenção as denúncias feitas pela reportagem.

O Conselho Federal de Medicina (CFM), do qual Cardoso é membro por São Paulo, disse que “não se manifestará sobre o assunto por se tratar de casos concretos”. Já o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) – órgão no qual Zeballos, Cardoso e Paulo Porto possuem registro – informou que “todas as denúncias encaminhadas ao conselho são devidamente apuradas e tramitam sob absoluto sigilo”.

Fonte: Estadão – acesse aqui