Em 1994, o Brasil foi declarado “livre da poliomielite”. Nesse ano, eu era Secretário de Saúde do Estado de São Paulo. Devido a esse grande feito a ser celebrado, foi feito um grande evento no Estado com inúmeros convidados nacionais e internacionais. Infelizmente, o Dr. Albert Sabin já havia falecido, mas, sua esposa, a Sra. Heloisa, brasileira, veio ao Brasil para esta celebração. Eu me lembro que o Governador Fleury me pediu para dar uma atenção especial a ela pela importância que o Dr. Sabin teve em todo este processo.
Até hoje, o nosso símbolo do programa nacional de vacinação (PNI) é o “Zé Gotinha”, gotinha esta, da vacina Sabin.
Um fato curioso e que me foi contado pela Sra. Heloisa é que nos dias que antecederam a primeira campanha nacional de vacinação anti-poliomielite, o Governo brasileiro, em pleno regime militar, estava inseguro quando ao valor e os riscos desta campanha. O então ministro da saúde teria ligado ao Dr. Sabin para colocar esta insegurança e o Dr. Sabin teria dito: “O Sr. tem duas alternativas, ou acredita em mim, isto é, acredita na ciência, ou pare e suspenda tudo”. Eles felizmente acreditaram no Dr. Sabin e conseguimos erradicar a poliomielite anos após. Entretanto e infelizmente, em 2025, ainda temos poliomielite através do mundo.
O Dia Mundial da Poliomielite, celebrado em 24 de outubro, serve para refletir sobre uma das maiores conquistas da saúde pública da nossa era — e sobre o trabalho que ainda precisa ser feito. Desde o lançamento da Iniciativa Global de Erradicação da Poliomielite (GPEI) em 1988, o número anual de casos de poliovírus selvagem caiu mais de 99% .
Hoje, o poliovírus selvagem permanece endêmico em apenas dois países — Afeganistão e Paquistão — mas a vigilância está longe de terminar. Somente em 2024, foram relatados 99 casos confirmados de poliovírus selvagem tipo 1 (WPV1), principalmente nesses dois países. A crescente hesitação em relação à vacinação em países ao redor do mundo — incluindo países onde a poliomielite é endêmica há décadas — ameaça esse progresso.
O fato de 20 milhões de pessoas hoje conseguirem andar, pessoas que de outra forma estariam paralisadas, é uma prova do poder da ação global sustentada — e um lembrete de que a erradicação continua sendo uma meta urgente e realista . Com tantos avanços alcançados, o Dia Mundial da Poliomielite é mais do que uma simples comemoração; é um chamado para manter o ritmo.
Os programas de vacinação devem continuar, os sistemas de vigilância devem ser fortalecidos e a equidade em saúde deve permanecer central — especialmente em locais onde conflitos, deslocamentos ou hesitação em relação à vacinação ameaçam as conquistas. Diante desse desafio constante, todos nós devemos estar atentos e promover em nossas famílias e comunidades ações para manter acessa as chamas científicas e epidemiológicas emanadas pelo saudoso e genial Dr. Sabin.
Desde a epidemiologia mais recente do poliovírus derivado da vacina, passando por lições aprendidas com respostas bem-sucedidas a surtos, até análises de políticas de financiamento e sistemas de imunização em contextos frágeis, convidamos você a aprofundar sua compreensão sobre o que é necessário para concluir a missão e alcançar um mundo livre da poliomielite. Além disto, ampliar este conceito de cidadania, de responsabilidade e de cuidado às nossas crianças para todas as vacinas disponíveis.
Não crer ou praticar isto, chega a ser crime contra nosso bem maior que são nossas crianças, isto é, nossas futuras gerações.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022, Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan, membro do Conselho Superior e vice-presidente da Fapesp, pesquisador responsável pelo CEPID CancerThera da Fapesp.
Fonte: Hora Campinas – acesse aqui