TCM: o que é e para que serve esse tipo de gordura que está em alta em ‘supercafés’ e suplementos?

Os triglicerídeos de cadeia média são vendidos como estratégias para melhorar o desempenho físico e acelerar a queima de calorias; no entanto, segundo especialistas, evidências de benefícios são limitadas e uso pode trazer riscos

O que diz a mídia

Com o crescimento do mercado de bebidas funcionais e do segmento fitness, a combinação de café com TCM (sigla para se referir aos triglicerídeos de cadeia média, que são um tipo de gordura) passou a ser explorada pela indústria como uma estratégia para potencializar a energia e melhorar os desempenhos físico e mental. A proposta é unir os efeitos estimulantes da cafeína com a liberação rápida de energia dos TCMs. Vale ressaltar que esses compostos também são amplamente usados em suplementos alimentares.

Conversamos com especialistas para entender se realmente vale a pena investir nesse tipo de produto.

O que é TCM

Danilo Rodrigues, especialista em nutrição e fisiologia do exercício pela Universidade de São Paulo (USP), explica que, do ponto de vista químico, a diferença entre os triglicerídeos comuns, de cadeia longa, e os tais triglicerídeos de cadeia média está – como o nome já indica – no tamanho da cadeia de moléculas. De acordo com a I Diretriz sobre o Consumo de Gorduras e Saúde Cardiovascular, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), os de cadeia longa possuem 14 ou mais átomos de carbono, enquanto os TCMs têm de oito a 12. Na prática, isso altera a forma como esses compostos são metabolizados pelo corpo.

Basicamente, enquanto as gorduras de cadeia longa percorrem um caminho mais lento até o fígado, as gorduras de cadeia média passam rapidamente do intestino para esse órgão, onde são convertidas em corpos cetônicos, uma via alternativa de energia em relação à glicose.

A alegação, então, é de que investir nessas “gorduras especiais” seria vantajoso para fornecer energia rápida para o corpo e, ao mesmo tempo, acelerar a queima de calorias. No entanto, até o momento, as evidências não confirmam esses efeitos.

A relação entre TCMs e o desempenho físico

Em 2022, uma revisão sistemática sobre os efeitos da suplementação com TCM no desempenho físico concluiu que o consumo desses compostos resulta em pouca ou nenhuma vantagem durante a prática de exercícios. Além disso, doses acima de 30 gramas foram frequentemente associadas a desconfortos gastrointestinais.

Segundo Guilherme Artioli, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) e colunista do Estadão, é fato que, metabolicamente, os TCMs são usados mais rapidamente pelo corpo, “mas, pelo que os estudos mostram, isso não se traduz em ganho de performance.” Ele ressalta ainda que os estudos disponíveis, em geral, são de curta ou média duração, o que limita a avaliação de efeitos em uso contínuo.

Artioli reconhece que a cafeína presente nos supercafés, por sua vez, até tem espaço como pré-treino. Em coluna publicada recentemente, ele informou que a substância tem potencial de melhorar o desempenho em inúmeros tipos de exercícios: de força, aeróbios de longa duração (intensidade moderada) e anaeróbios (alta intensidade) de curta duração ou intervalados.

Mas o especialista frisa que o efeito pode variar conforme o horário de ingestão e as características de cada pessoa. “Se for consumida antes de dormir ou muito tarde, pode piorar a qualidade do sono. Existe uma variação individual, inclusive genética, que determina se a pessoa metaboliza a cafeína mais rapidamente ou lentamente, o que afeta sua sensibilidade” completa.

Quanto à combinação entre cafeína e TCM, Rodrigues destaca que não existem evidências de sinergia. Para Artioli, o apelo ao consumo desses produtos decorre, muitas vezes, de desajustes de estilo de vida. “Se a pessoa dorme mal, vive cansada e não tem rotina equilibrada, o TCM não vai resolver”, aponta.

Para manter a disposição e a energia em alta, a recomendação é priorizar uma alimentação equilibrada, praticar exercícios físicos, cuidar do sono e buscar maneiras de mitigar o estresse.

Popularidade dos TCMs começou com o óleo de coco

óleo de coco ganhou fama de item saudável há alguns anos justamente por causa da presença desse tipo de gordura. Mas os especialistas apontam que a maior parte de TCM nesse tipo de óleo é proveniente de ácido láurico – e isso faz toda a diferença. “Do ponto de vista químico, ele é considerado médio. Mas, do ponto de vista fisiológico e metabólico, ele se comporta como uma gordura de cadeia longa”, explica a nutricionista Valéria Machado, coordenadora geral do Departamento de Nutrição da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).

Isso significa que se trata, no fim das contas, de uma gordura saturada, como a presente em alimentos como carne vermelha e manteiga. Consumir esse tipo em excesso está ligado a problemas de saúde, como aumento nos níveis de colesterol LDL – considerado ruim – e maior risco de doenças cardiovasculares.

Em 2015, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) chegaram a divulgar um comunicado sobre o óleo de coco devido à tendência de prescrição do produto para quem desejava emagrecer.

As duas entidades se posicionaram “frontalmente contra a utilização terapêutica do óleo de coco com a finalidade de emagrecimento, considerando tal conduta não ter evidências científicas de eficácia e apresentar potenciais riscos para a saúde.”

Valéria observa ainda que muitos suplementos e bebidas ditas funcionais disponíveis no mercado contêm predominantemente ácido láurico. Por isso, é imprescindível avaliar rótulos e composições com muita cautela.

Rodrigues lembra que os TCMs verdadeiramente de cadeia média e que costumam ser avaliados em estudos são o cáprico e o caprílico. Segundo Valéria, o capróico também entra na lista. Mas a nutricionista pontua que, embora alguns estudos isolados tenham mostrado efeitos pontuais, como aumento do HDL (conhecido como colesterol “bom”) ou até diminuição de circunferência abdominal, a maior parte das evidências não indica benefícios consistentes.

Riscos associados aos TCMs

Em pacientes com diabetes descompensada, o consumo desse tipo de gordura pode elevar a produção de corpos cetônicos no sangue e desencadear a cetoacidose diabética, quando há muito açúcar na circulação e também cetonas – substâncias que desequilibram o equilíbrio sanguíneo. A condição é grave e exige atendimento imediato.

Para indivíduos com histórico de doenças cardiovasculares, hipertensão ou alterações metabólicas, a recomendação é de cautela redobrada. Em primeiro lugar, as gorduras não devem representar mais de 30% das calorias totais. Desse valor, Valéria conta que até 10% podem ser de gorduras saturadas. Se o indivíduo tiver alguma comorbidade, aí o limite é de 7%.

Apesar dessas restrições, os especialistas reconhecem que os TCMs podem ter utilidade em condições clínicas específicas. Pacientes com doenças inflamatórias intestinais, como a doença de Crohn, ou que apresentam dificuldade de aproveitamento de gorduras, podem se beneficiar da absorção mais rápida desse tipo de triglicerídeo. O uso também é comum em dietas enterais, administradas por sonda, para fornecer energia de forma eficiente sem sobrecarregar o processo digestivo.

Ou seja, são situações pontuais. Fora desses contextos, os especialistas reforçam que não há consenso científico que justifique o consumo indiscriminado de TCMs por meio de “supercafés” ou suplementos.

Fonte: Estadão – acesse aqui