XV Neurão tem debate sobre Canabidiol e novas fronteiras terapêuticas

Simpósio satélite foi parte integrante do evento da Sonesp organizado e sediado na APM

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Nos dias 14 e 15 de novembro, a Associação Paulista de Medicina organizou e sediou o principal evento da Associação dos Neurocirurgiões do Estado de São Paulo (Sonesp), o XV Neurão, destinados a neurocirurgiões, residentes de Neurocirurgia e alunos de Medicina.

E no primeiro dia de evento, houve um Simpósio Satélite sobre “Canabidiol: quando a Ciência redefine o tratamento e expande novas fronteiras terapêuticas”, com palestras dos especialistas Miguel Giudicissi Filho, Ibsen Damiani e Flavio Geraldes.

Giudicissi Filho detalhou os Princípios Gerais da Medicina do Canabidiol. E enfatizou que a administração de óleos sublinguais, cápsulas e outras formulações, como toda droga psicoativa, deve seguir o padrão “start low, go slow”, iniciando com uma dose baixa e aumentando-a gradualmente até o efeito esperado ou o surgimento de efeitos colaterais impeditivos.

Ele explicou que as evidências científicas comprovam a eficácia do CBD (canabidiol) na epilepsia refratária, para a qual o uso é inquestionável, além de ter boa resposta clínica na espasticidade e evidência moderada na dor neuropática. De acordo com o neurocirurgião, o canabidiol também demonstra utilidade em dor orofacial neuropática e fibromialgia, embora com evidências mais limitadas, e em aplicações neurocirúrgicas importantes como espasticidade refratária e dores centrais pós-AVC.

O médico ressaltou que o CBD, especialmente em produtos full spectrum, pode conter THC (Tetrahidrocanabinol) em pequena porcentagem (limite de 0,2%), e que a presença desse componente, em alguns casos, pode aprimorar a resposta em condições como a dor neuropática periférica.

Ainda de acordo com ele, o uso do CBD na ansiedade tem se mostrado interessante, embora não seja de primeira linha. Por outro lado, é contraindicado em quadros de psicose ativa, histórico de esquizofrenia não controlada e gravidez, e seu uso para depressão é controverso devido a evidências fracas ou inconclusivas.

Giudicissi Filho destacou também a vital importância de médicos e pacientes estarem cientes das interações medicamentosas que o canabidiol pode ter com outras drogas, embora o risco com anti-inflamatórios, anticonvulsivantes e antidepressivos seja geralmente baixo a moderado. “O CBD não é uma panaceia, mas sim uma ferramenta valiosa que deve ser utilizada da forma mais ética e científica possível”, concluiu.

Doenças neuropsicogeriátricas

A segunda palestra, realizada por Ibsen Damiani, concentrou-se no papel do CBD nas doenças neuropsicogeriátricas. Ele abordou a polêmica gerada pela Resolução CFM nº 2.324/2022, que inicialmente restringia a prescrição de CBD no Brasil a epilepsias refratárias específicas.

Apesar de a proibição ter sido revogada após críticas, o episódio evidenciou a necessidade de mais estudos clínicos robustos, visto que a maioria das pesquisas é pré-clínica em animais (como roedores e camundongos) e indicam o efeito neuroprotetor do CBD, antioxidante, e sua capacidade de favorecer a neurogênese e evitar danos psicognitivos.

Damiani apresentou um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros em pacientes com Doença de Parkinson e psicose, que demonstra que o uso de CBD resultou em uma redução significativa dos sintomas de psicose e da escala de avaliação da doença, sem piorar a função motora.

Para concluir, o palestrante destacou a necessidade de realizar a introdução da medicação de forma gradativa e fazer ajustes de dose monitorados, especialmente em pacientes que utilizam outros medicamentos, como benzodiazepínicos, para evitar a interrupção inadequada dos tratamentos.

Doenças neuropediátricas

Por fim, Flavio Geraldes abordou a relevância do canabidiol nas doenças neuropediátricas. Ele mencionou uma revisão sistemática recente que analisou diversos estudos, destacando que o CBD é amplamente utilizado em epilepsia refratária, interagindo com outros alvos moleculares, como os receptores vaniloides (TRPV1), para modular a excitabilidade neuronal em condições como cuidados paliativos do câncer, paralisia cerebral, Síndrome de Tourette e Transtorno do Espectro Autista (TEA).

O especialista trouxe uma meta-análise do pesquisador brasileiro Fabrício Pamplona, que explica que o uso de extratos full spectrum – contendo outros canabinoides e terpenos – alcança a mesma eficácia clínica na epilepsia que o CBD isolado, mas com doses até quatro vezes menores, o que é crucial para a farmacoeconomia.

Falando sobre o TEA, o palestrante relembrou que o CBD é muito importante, pois regula o sistema endocanabinoide, aumentando a anandamida, o que leva à melhora da interação e percepção social. “Embora não trate o TDAH, o CBD é uma opção valiosa para o manejo das comorbidades do autismo, como irritabilidade, agressividade e autoagressividade, e demonstra a capacidade de modular o desenvolvimento e a neuroplasticidade”, completou.

Para o uso pediátrico, o neuropediatra aconselha a titulação lenta e a prioridade a produtos isolados ou com baixo teor de THC, reforçando que o canabidiol deve ser tratado com seriedade, como uma medicação de grau farmacêutico, e não como um produto de origem incerta.

Em conclusão, os palestrantes convergiram no entendimento de que o canabidiol é uma ferramenta terapêutica com potencial para regular o sistema endocanabinoide e oferecer uma melhoria significativa na qualidade de vida dos pacientes neurológicos e neuropsiquiátricos, não substituindo as terapias convencionais, mas atuando como um importante complemento.

Fotos: Mika Photos