Webinar: APM debate fechamento dos hospitais de custódia

A Resolução 487, do Conselho Nacional de Justiça, de fevereiro deste ano, prevê o fechamento dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico

Notícias em destaque

“A Resolução 487, do Conselho Nacional de Justiça, de fevereiro deste ano, prevê o fechamento dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico. Isto é visto com muita reserva pelos psiquiatras forenses e outros especialistas da área. A medida liberaria todos os portadores de transtornos mentais atualmente privados de liberdade por terem cometido delitos graves”, declarou o presidente da Associação Paulista de Medicina, José Luiz Gomez do Amaral, na abertura do último webinar da instituição, realizado na quarta-feira, 17 de maio.

O encontro virtual contou com moderação do vice-presidente da APM, João Sobreira Neto, e apresentação do diretor Cultural da Associação, Guido Arturo Palomba, que também é psiquiatra forense. Os palestrantes recebidos foram o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, e o professor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Daniel Martins de Barros.

O presidente da ABP relembrou que, há cerca de 30 anos, o Brasil enfrenta o sistema de reforma no modelo de assistência em saúde mental – termo também chamado de reforma psiquiátrica e que, conforme destacou o especialista, não é possível de ser aplicado, uma vez que não há a possibilidade de se realizar reformas em uma especialidade médica. Neste contexto, surgiu o grupo da Luta Antimanicomial, sugerindo acabar com todos os hospitais de custódia do País.

“Entre os anos de 1970 e 1980, o Brasil tinha mais de 120 mil leitos públicos de Psiquiatria, e hoje são 13 mil. Reduziram em mais de 100 mil leitos, mas temos muitos deles na rede privada. Porque a doença mental não deixa de existir e as pessoas precisam de ajuda. Na contramão desta história, o Instituto de Psiquiatria da FMUSP fez o que se deve fazer, pegou um serviço que era antigo, arcaico, em condições ruins e transformou em um dos melhores hospitais do mundo, demonstrando que não se destrói os serviços, você os qualifica”, disse.

Contrariedades à resolução

Para Silva, a resolução do CNJ fere a ética profissional dos psiquiatras, além de burlar a Constituição Federal, o Código Penal e uma série de leis, inclusive, a Lei do Ato Médico. Além disso, ele pontuou que, das 21 pessoas ouvidas para a elaboração da medida, não há nenhum médico, o que, consequentemente, não contempla a opinião de nenhum psiquiatra.

Não obstante, a resolução prevê que, ao fechar completamente os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, os portadores de transtornos mentais que cometeram crimes deverão ser tratados nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) – o que não atenderia a demanda, pois mais de 50% dos municípios brasileiros não contam com uma unidade. Eles ficarão junto com pessoas que não cometeram delitos, lembrando ainda que o tratamento só será realizado caso o paciente queira. “Não tem mais a internação compulsória, então por que o psiquiatra vai determinar a necessidade de internações se não há onde se tratar?”, questionou.

O especialista destacou a necessidade de o laudo psiquiátrico ser respeitado, já que são esses os profissionais que estabelecem se uma pessoa possui condições ou não de viver em sociedade, salientando que não há meios de colocar esse grupo de pacientes em leitos de hospitais gerais, por conta de seu estado mental e da superlotação dos estabelecimentos.

“A Psiquiatria brasileira é de excelência e de ponta para o mundo todo. O que deve ser trabalhado é a gestão pública para que o atendimento seja qualificado. No Instituto Psiquiátrico Forense de Porto Alegre, há 209 pessoas internadas e apenas dois psiquiatras para atender esta demanda, então não dá para matar o serviço e depois falar que ele não presta e querer fechar. Se no laudo do psiquiatra está determinado que o paciente não tem condições de viver em sociedade, isso significa que não há como ele ser curado, mas há como cuidar dentro de um hospital de custódia, em que os profissionais são treinados para esse tipo específico de clientela.”

O psiquiatra salientou, também, que um doente mental tratado não é perigoso e que 95% dos casos de violência são cometidos por indivíduos que não possuem transtornos mentais. Para ele, o perigo, na realidade, está nesta situação que expõe a população a um grupo de risco e que contribui para aumentar o preconceito e a estigmatização no âmbito das doenças mentais.

Ele apresentou um documento que a ABP está elaborando contra a resolução. “Nos foi negada uma audiência pública no CNJ. Não entendo como é possível se falar em doenças mentais sem ouvir um psiquiatra e a Associação dos Psiquiatras do Brasil. Peço encarecidamente que nos ouçam e não deixem essa resolução continuar em vigor, pois ela não tem sentido. É péssima para a população, para a Medicina, para a Psicologia, para a Enfermagem e para todos os trabalhadores da saúde mental. Pensem no coletivo, pensem na Ciência”, concluiu.

Diálogo

Dando continuidade às apresentações, Daniel Martins de Barros fomentou a necessidade do diálogo entre os envolvidos no processo. O especialista explicou que desde o começo de sua formação, percebeu que esta área não era bem-vista e que um grupo de pessoas estereotipava os profissionais do setor, além de acreditarem ser um instrumento maléfico e sem empatia para os pacientes.  

“É óbvio que quem está do outro lado não quer dialogar, porque passaram dois anos construindo a resolução e em nenhum momento chamaram um psiquiatra. Mas não acho que o melhor caminho seja querermos interditar o debate também. A literatura científica mostra que é preciso se desarmar e buscar entender as motivações do outro lado e os seus objetivos, pois, provavelmente, eles têm apenas uma visão parcial de um problema e pode ser algo que, talvez, não estejamos vendo da mesma maneira”, explicou.

O especialista também destacou que para quem está envolvido na situação, ela pode acabar se tornando automática, tendendo a não perceber algumas das problemáticas. “Os manicômios foram organizados com uma proposta humanitária, inicialmente. No entanto, com a desestruturação do Estado e a falta de investimento, acabaram se tornando este modelo asilar, que acho que não há quem apoie. Mas, também não tem como defender a ideia de que esta resolução seja algo factível, por isso eu queria propor que pensemos qual é a intenção por trás dela. Não dá para fechar esses estabelecimentos, as pessoas ficariam desassistidas quando, na realidade, precisam de tratamento especializado.”

Para Barros, a falta de comunicação pode levar a uma polarização que afetaria somente o principal foco de toda essa discussão, os indivíduos com distúrbios mentais. “Isso não produz consciência e só reforça a postura da outra pessoa, que não quer ouvir. Gostaria de deixar essa reflexão, que talvez seja um pouco ingênua e otimista, mas acho que é um caminho que eu vislumbro para essa situação. Para todo problema complexo, há uma solução simples, fácil e errada. E essa resolução é uma delas.”

Casos que se repetem 

Guido Palomba, por sua vez, manifestou sua aversão à resolução, explicando que ao liberar pessoas que não têm condições de viver em liberdade, há uma tendência de que os crimes que cometeram anteriormente se repitam, o que coloca a vida de todos em risco.

Palomba explicou que as ideias propostas pela resolução surgiram com o livro “O mito da doença mental”, de Thomas Szasz, 1961. Na obra, o autor defende que doenças mentais não existem porque, na realidade, as pessoas personificam papéis. Como exemplo, citou o psiquiatra italiano Franco Basaglia – que por acreditar que as doenças mentais não eram reais, elaborou a Lei 180, de 1978, que determinou o fechamento dos manicômios da Itália, provocando uma grande catástrofe, já que os doentes mentais foram deixados na rua, sem tratamento.

“O movimento antimanicomial tentou ser aplicado na Itália e em outros países, onde tentaram entrar no Judiciário, mas não conseguiram porque é algo inexequível. No Brasil, o movimento ganhou força a partir de 1985, mas nos anos 1990 praticamente sumiu, e agora está de volta. É importante ressaltar que existe um abismo infranqueável entre doente mental comum e doente mental criminoso. A maioria absoluta dos doentes mentais não é portadora de periculosidade e estamos aqui reunidos para falar de apenas uma pequena parte deles”, relatou.

Segundo o psiquiatra forense, um indivíduo com transtornos mentais que comete um delito precisa de tratamento e segurança, pois, se continuar na rua, irá seguir os padrões do crime, matando mais pessoas e também correndo o risco de morrer. “É impossível a aplicação da resolução do ponto de vista prático. É uma medida feita para holofotes, para chamar a atenção.”

Ele concluiu apontando que o fechamento dos hospitais judiciários se consolida como uma medida radical. “Se um hospital não está bom, se faltam materiais, enfermeiras e macas, ele não tem que ser fechado. Vamos incrementar e dar condições para esses locais. Se quem propôs a resolução quisesse de fato o bem dos pacientes, pensaria em alternativas para melhorar a qualidade dos hospitais de custódia e de tratamento, que estão carentes e em que faltam médicos. Não iriam propor o seu fechamento, ameaçando a sociedade.”

O vice-presidente da APM finalizou a transmissão destacando a forma como as palestras foram elucidativas. “Para mim, que não sou da área, ficou tudo muito claro. Vimos que há agravações. É como na clínica, você tem aquele doente que pode tratar em casa com o antibiótico e tem o doente que precisa de uma internação porque o caso dele é mais complexo.”

Imagens: Reprodução Webinar APM